por:
Rafael A.
Adriano
Dias é um velho conhecido, e parceiro aqui do FMZ. Militante nas
áreas de Direitos Humanos e da Cultura, já contabiliza anos de luta
política. Participou de bandas e, à frente da ONG ComCausa,
levantou bandeiras como a da Alienação Parental. A história de
Adriano cruzou com a do FMZ há alguns anos, na época do surgimento
da campanha Jovem Fica Vivo, criada por ele e para qual este fanzine
foi convidado a participar, ao lado de outros músicos e figuras
ativas no cenário underground Fluminense. A seguir, você
conhece um pouco mais dessa figura importante na luta política na
Baixada Fluminense. Vamos ao papo que batemos com ele!
FMZ:
Pra começar, fale um pouco de sua história, conta pra gente como a
música e a militância política entraram na sua vida.
Adriano:
Devo ao Heavy Metal e ao Punk Rock do inicio dos anos
1980 tudo que acho que fiz de legal na vida. Ao Cólera, Olho
Seco, Ratos de Porão, Garotos Podres, Inocentes,
Metallica, Venom, Motörhead, Maiden e
todas outras bandas que não tinha como comprar os discos, ou não
tinham no Brasil. A música me abriu os olhos e canalizou a minha
revolta de adolescente da Baixada Fluminense que se sentia excluído,
e era excluído. A militância política, posso dizer que teve até
data, abril de 1985. Imagina um moleque de 15 anos andando no meio da
rua, pois o esgoto corria a céu aberto em valas nas laterais da
estrada de barro. Passa o ônibus que joga para alto a poeira que
encobre o pouco que eu tinha de estima naquele dia. Debaixo do meu
braço, o primeiro jornal que eu comprei por iniciativa própria.
Usei o dinheiro que era do biscoito do lanche. Uma dura escolha, fui
de madrugada no médico e o jejum durou de 4 da manhã até quase
17h. Na capa do ‘O Globo’,
a notícia dada pela TV na noite anterior: “Morreu Tancredo”.
Começou, tipo assim. Anos depois aconteceu a ideia da criação do
fanzine Consciência Nacional, ou CN Zine. Depois fui
roadie do Desordeiros, criei uma banda Punk
chamada FDK, e uma de Death, a Convultion, no
qual fizemos alguns shows entre 1987 e 1991. E fiz um show com o
Gangrena no Garage, em 1992. Depois fui produzir alguns
eventos e cuidar da vida. Montei uma empresa de informática em 1990
e acabei trabalhando na política pública no Rio, Brasília e Nova
Iguaçu entre 1998 e 2009.
FMZ:
E o surgimento da ComCausa, como se deu?
Adriano:
Considero a galera do Rock como movimento social, não somente
aqueles que vieram das associações de moradores, dos sindicatos ou
da teologia da libertação da igreja católica daquela época.
Sempre participei de tudo. Era radical, era de esquerda, tava lá.
Antes de 2013, na ultima grande manifestação no centro do Rio, em
1987, estava eu lá dando coturnada em tropa de choque e correndo do
“brucutu” (veículo da policia para enfrentar manifestações).
Era meu ponto de vista Punk da vida. Com o tempo, o
amadurecimento profissional e político, fui adequando meu
entendimento de mundo e militância. Somente com mais de 30 anos,
depois de trabalhar no Centro de Direitos Humanos da Diocese de
Nova Iguaçu e na Plataforma Interamericana de Derechos
Humanos, Democracia y Desarrollo (PIDHDD) fui ter
entendimento do que era de fato a amplitude dos direitos humanos. Daí
veio a ComCausa, a institucionalização de minha militância
e de tantas outras pessoas, um instrumento de luta. Foi fundada em
2003, mas somente em 2007 assumimos a bandeira da cultura de
direitos. Foi uma refundação, assim, considero que fazemos 10 anos
em 2017.
FMZ:
E como é trabalhar com Direitos Humanos? Parece ser uma área de
atuação da qual, no fundo, a população de uma forma geral sabe
muito pouco. Confere?
Adriano:
Me assusta ver “Bolsominions”, principalmente jovens,
repetindo como papagaios “Bandido bom é bandido morto”;
“Esses defensores de bandido… quero ver quando for assaltado”,
entre outros bordões prontos como “intervenção militar!”.
Pedem isso, mesmo com todo o conteúdo e discussões disponíveis em
internet, com acesso a escolas melhores e sem as restrições
da censura. Os direitos humanos são, em nosso país, como algo que
atrapalha o combate ao crime? Estranho é que parece existir um
movimento para manter essa concepção. Talvez se trate de uma
maneira de apequenar e colocar a discussão em questões pontuais,
como da violência, em detrimento de uma universalidade de exigências
que hoje compõem o cumprimento dos direitos humanos. Exigibilidades
que, se respeitadas, mudariam toda a conjuntura da sociedade como a
conhecemos hoje. Por exemplo, imaginem se todos os policiais do Rio
de Janeiro exigissem seus direitos humanos a um salário digno e
condições – equipamentos, treinamento, entre outros – adequados
a sua segurança? Imaginem se todos os professores, alunos e pais
exigissem uma escola com direitos humanos? Pergunte aos mais velhos
como era a Baixada Fluminense, como era nas periferias, na ditadura
militar? A soma de violência, mais poder, igual a controle
territorial. Não por acaso os operadores das matanças a mando dos
poderosos e militares, posteriormente se tornaram vereadores,
deputados e prefeitos. Mas neste lugar onde só se via miséria e
violência, tinha gente de coragem com alto valor moral e humanístico
fazendo a resistência pacífica. Pessoas como o Bispo da Diocese de
Nova Iguaçu, Dom Adriano Hipólito, que por conta da defesa
dos direitos humanos foi espancado e deixado nu, pintado de vermelho
pelas ruas. Mas quantos sumiram ou foram mortos? Não sabemos,
vivíamos uma ditadura e os pobres da Baixada, assim como das
periferias sociais do Brasil, são os ”morríveis”, sem direito a
vida. Na ComCausa sempre fui o responsável pelas questões de
violência letal, dos assassinatos, famílias, mães que perderam
filhos. Nosso empenho, como pessoa e pela ComCausa, é que
direitos humanos seja uma questão de vida, de alegria. É celebrar
no show de Rock, é ter emprego e salário, educação e
saúde, é poder pensar e se expressar, amar quem quiser como quiser.
FMZ:
A questão da Alienação Parental é outra de suas bandeiras. Ao
menos eu, tenho muito pouca informação a respeito. Ainda é um tema
negligenciado pela sociedade, veículos de comunicação? Que avanços
tivemos no tema nos últimos anos?
Adriano:
Desde que meu filho tinha pouco mais de um ano passei ter seguidas
tentativas de me afastar dele por parte da mãe, de namorados,
família e até gente do trabalho dela. Tenho uma vida inteira de
militância e fui denunciado por ameaça na Lei
Maria da Penha, tendo como testemunhas colegas de trabalho que
sequer me conhecem. Foram quase uma centenas de todos tipos de
ataques para tentar me afastar do meu filho nos últimos cinco anos.
Quando fiquei sabendo o que era alienação parental, pela minha
atual companheira, a Fernanda Torres, em 2012. Decidi então
canalizar o sofrimento de ter a infância do meu filho roubada em
luta. Primeiro conseguimos ajudar a desconstruir a associação da
alienação parental como coisa de mulher, o que não é. Culpa da
cultura da guarda unilateral (que um dos genitores é o guardião
jurídico do filho). Acho que conseguimos superar esta visão
machista e focar no principal que é o bem estar da criança. Segundo
foi o movimento pela lei da guarda compartilhada que participei junto
com milhares de pais e mães pelo Brasil, e que foi aprovada no final
de 2014. Ajudei na criação de uma Lei Estadual, a 222/2015, de
prevenção da alienação parental e agora estou no movimento pela
criminalização, o PL 4488. Meu empenho é ampliar a
responsabilização não somente de quem aliena, mas principalmente
quem participa e ajuda a na prática da alienação parental. Estes
têm que ficar mais tempo na cadeia e pagar para ajudar a reparar os
danos provocados à criança.
FMZ:
Você foi candidato a prefeito de Nova Iguaçu nas últimas eleições.
Conte como foi essa experiência? O saldo foi positivo?
Adriano:
Cara. Eu queria ter criado uma banda histórica ser igual ao Jello
Biafra (vocalista do Dead Kennedys, Jello
Biafra, prefeito de São Francisco, em 1979), mas
só consegui ser candidato a prefeito de uma cidade grande igual a
ele. Na verdade, com o reconhecimento da REDE Sustentabilidade
como partido e sua participação nas eleições municipais houve o
convite para que eu fosse candidato a prefeito por gente que respeito
muito. Sabia que não teria qualquer estrutura financeira para a
disputa então resolvi cumprir a missão de contribuir para que
houvesse um debate de cidade, nisso fomos vitoriosos, a ponto que
tivemos linhas inteiras de nosso plano de governo e até as frases e
proposta copiadas por alguns marketeiros dos outros candidatos
com mais grana. Então estávamos certos. Foi uma experiência dura,
pois eu estava em um momento muito difícil da vida, mas de um grande
crescimento e aprendizado pessoal, conheci muita gente nova. Fiquei
mais de dez anos longe da política partidária, e até
preconceituoso com a política. Hoje, aconselho a qualquer velho Punk
a se candidatar e colocar suas ideias de uma sociedade melhor na
política partidária.
FMZ:
De volta a ComCausa, e a seu envolvimento com o cenário musical.
Como surgiu e quais os planos pro futuro do Rock ComCausa?
Adriano:
Hoje procuro atuar como um assessor da ComCausa, que está se
dividindo em várias ramificações conforme as pessoas estão
entrando, reestruturando a instituição. Que voltei a chamar de
movimento. O Rock ComCausa sempre foi uma iniciativa de
misturar debate com música, principalmente a vertente cultural que
provocou a criação da ComCausa, reafirmando, se não fosse o
Rock no início dos anos 80, eu não seria eu, e acho que não
haveria a ComCausa. Vamos retomar a articulação com bandas e
espaços de show e comunicação. Assim como foi o princípio do
Jovem Fica Vivo, é uma provocação para a reflexão, a
galera velha e nova tem que pensar em propagar uma cultura de paz, e
onde melhor do que em um show de Rock!
FMZ:
Levando em conta o momento político pelo qual o Brasil passa. Como
você tem percebido o meio underground diante
disso tudo? Me parece que há um certo receio desses artistas em se
posicionar, o que seria a coisa mais natural do mundo. O que acha?
Adriano:
Dor de corno de geral. O que é esquerda? O que é direita? O país
teve avanços importantes em áreas sociais, educação, redução da
pobreza e até aumento de consumo. O problema é que a galera que
fazia isso continuou com os mesmo esquemas de corrupção da ditadura
militar. Quer fazer obra? Só pagando propina! Neste ponto toda a
parte positiva dos governos mais progressista que tivemos foi para o
ralo em uma pernada de anão. De fato, o maniqueísmo político
acabou. Não tem os do bem e os do mal. Por isso é que as pessoas
tem medo de se posicionar. Melhor para a malandragem que está na
política, quanto mais gente fora da política partidária, fazendo
palhaçada em rede social, pagando de politizados, melhor para o
Cunha e seus aprendizes de feiticeiros. Acho que temos que
voltar às trincheiras culturais, começar de novo, ocupar terreno e
resistir. Seja da forma que for, mas influenciar por dentro,
reconstruir.
FMZ:
E qual o balanço que você faz de todos esses anos de luta política?
Tudo que já fez, os resultados, conquistas, enfim. Saldo positivo?
Adriano:
Uma coisa que me orgulho é que até eu, um cara da Baixada
Fluminense, já ajudou a construir políticas públicas nacionais na
antiga Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, mas no
dia seguinte estava pisando na lama, ou em uma delegacia garantindo o
atendimento pelo polícia, no sarau promovido pelos movimentos
culturais ou nos shows de Rock das periferias. Acho que tem de
ser assim, “faça você mesmo, faça pra entender” como
escreveu o Redson. Acho que conseguimos construir paradigmas,
ajudar em conceitos novos, não falando, mas fazendo. Pode ser em um
debate para três jovens sobre homofobia em uma igreja evangélica na
Baixada, ou no Congresso Nacional propondo emenda para um
deputado autor de uma lei. Se eu faço, todo mundo pode se empenhar
para fazer. Dá seu jeito. Se vai dar certo ou não é outra
história, mas faça!
FMZ:
Partindo do princípio que, em tese, seria muito mais fácil ter uma
vida “normal” (vai saber o que quer dizer isso..rsrsrs). O
que faz com que alguém dedique sua vida a causas humanitárias?
Adriano:
Acho que a vida só vale a pena se fizermos algo para o próximo, não
espere reconhecimento, espere criticas. Mas acho que vale a pena.
FMZ:
É isso. Muito obrigado pelo papo, Adriano! Considerações finais?
Adriano:
No mais, “Punk Rock é vida, é autonomia”, estou com 47
anos e espero ainda entrar na roda por mais uns 30 anos.
foto:
divulgação