terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Artigo (ou coisa que o valha) :: O que é underground??


por Rafa Almeida

Todo mundo que em algum momento da vida frequentou ou se envolveu com a cena underground, qualquer que seja a vertente, já ouviu a pergunta que dá nome ao presente artigo. Pergunta aparentemente simples, mas que quando precisamos responder traz à mente tantas questões, que nos vem todo tipo de resposta. Menos a que gostaríamos de dar...

Seria bastante simples falarmos de underground como o universo das bandas e selos independentes, os shows pra meia duzia de interessados, fanzines e por aí vai. Mas assim estaríamos falando apenas do underground como conhecemos. Ou ao menos a minha geração conheceu, lá pelos anos 1990. A rede de contatos e troca de materiais via correspondência, afinidades que surgiam de gostos tão específicos (mas tão específicos!), que tínhamos a sensação de que nós e a pessoa com quem trocávamos carta éramos os únicos que conheciam determinada banda ou estilo!

É muito comum esquecermos que o cenário descrito acima remete apenas à uma vertente do underground. Ou, ao “underground roqueiro”. E de alguma forma, isso dá pistas do porquê de tanta gente com ideias conservadoras terem “surgido” no meio de uns tempos pra cá. Mas aí já é outra história... Voltando: tratar underground como um emaranhado de cenários culturais alternativos que podem ou não se cruzar em algum momento seria o mais correto. Porém, isso torna achar uma definição para “underground” uma tarefa bastante árdua.

O que não é consumido pelo mainstream (show business, universo pop, cultura de massa...), que não é difundido pelos grandes veículos de comunicação ou simplesmente dialoga com um público específico demais para ser levado em conta pelo mercado é underground, correto? Sim. Mas depois que a humanidade desaprendeu a viver sem internet e as redes sociais tomaram conta da vida de todos (ou quase todos), ficou meio difícil estabelecer um limite entre o que é underground e o que é mainstream.

Considerando que toda a produção artística que não esteja sob os holofotes da grande mídia possa ser classificada como “underground”, não é muito difícil identificar certas diferenças entre underground e mainstream. Tipo: “seu amigo poeta no Facebook x poeta homenageado na FLIP”, “a banda de seus colegas de faculdade x atração do palco mundo do Rock in Rio” ou “o grafiteiro do bairro x o cara que expõe na galeria de Nova York”. A lista é grande: “cena clubber x dance music” (ao menos nos 90's), “sertanejo universitário x sertanejo de raiz”, “Punk de subúrbio x banda Punk que assinou com gravadora” e por aí vai... Fato é que com o advento da internet toda essa discussão ficou muito mais complicada

Se por um lado o mundo virtual trouxe consigo uma gama de possibilidades quando o assunto era distribuir ou apresentar sua obra ao público, o artista sem recursos ainda levaria um certo tempo pra sacar que sem investimento nada aconteceria. Sua música, poesia ou sua HQ poderia chegar a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo com um apertar de botão. Mas isso não queria dizer que um número substancial de pessoas se interessaria por sua obra. De alguma forma, se falava pra mais gente, sim. Mas daí a essa exposição ser o bastante pra levar alguém ao mainstream, era outra história.

Ainda sobre a grande rede (é, sou velho...). É estranho pensar que mais facilidade na comunicação e na difusão de determinada produção cultural não fez com que certos cenários crescessem, mas sim com que se isolassem. Vejamos: quanto mais as redes sociais se popularizavam, mais as pessoas se isolavam. Ou se fechavam em suas bolhas. E esse movimento não se limitou ao ambiente político. Cada vez mais os eventos underground ficavam mais restritos a seus nichos, ou ao círculo de amigos dos artistas que deles participavam (ok... há exceções).

Ao mesmo tempo que se via o abismo entre os dois mundos diminuir (com a comunicação facilitada), era como se underground e mainstream de alguma forma se afastassem. Estranho, ? Surgiram artistas/cenas intermediários. Algo como uma galera com um mínimo de estrutura e investimento suficientes para lhes dar destaque em sua cena, mas não o suficiente para fazer dessa galera mainstream. E alguns aspectos comuns aos dois universos contribuíam pra isso.

B.Negão cantou certa vez no Planet Hemp que: ”Underground ou mainstream, a maioria age igual pra mim. Caminhos diferentes que levam pra um mesmo fim”. O trecho é certeiro! Apesar da diferença de estrutura, investimento e popularidade, há aspectos que se referem a ambos os universos. Concorrência, puxadas de tapete, egos inflados e toda sorte de exemplos do que de pior habita o ser humano são facilmente identificados em qualquer cenário, independente do valor do cachê (e olha que às vezes nem há cachê!).

Ainda assim, há quem defenda que todo artista underground sonha em ser mainstream. Nunca fez muito sentido pra este que vos escreve. Afinal de contas, de poetas a bandas Punks, passando por artistas plásticos, há cenas e movimentos culturais que sempre fizeram questão de se manter longe dos holofotes. Seja por convicção filosófica, necessidade artística, opção de mercado (até isso é possível, e faz todo sentido!) ou por vaidade, pura e simplesmente.

Underground tem a ver com posicionamento político? No entender deste que, atabalhoadamente vos escreve, tem sim! Mas calma! Não me refiro a militância partidária, nem nada do tipo. Isso pode haver, ou não. Mas entendo que cenários que existem à parte da cultura de massa e são, na maioria das vezes, mal vistos e incompreendidos pelo ”mundo lá fora” deveriam adotar uma postura libertária, a favor da diversidade (de todas as formas). Ou, no mínimo, combater toda e qualquer forma de discriminação (aliás, como toda arte deveria fazer). Me parece que seria o mínimo, mas enfim..

Ok! Toda produção artística que está fora da grande mídia é underground. Com isso concordamos, certo? E a internet cagou tudo (no melhor dos sentidos) quando deu ferramentes para que "qualquer um" espalhasse sua arte, ou mesmo que qualquer cultura fosse difundida sem precisar das “vozes oficiais” para tal. Acho que concordamos com isso também, ? Só que, por exemplo, as ferramentas de impulsionamento (chama assim mesmo?) nas redes sociais (entre outros fatores) serviram pra nos lembrar que a grana ainda dita quem aparece mais ou não. E isso dificulta qualquer forma de exposição minimamente democrática, não é mesmo?

Daria pra ficar aqui eternamente listando aspectos que aproximam e afastam o underground do mainstream. Mas como a ideia aqui é tentar uma definição abrangente o bastante pra caber o máximo de cenários, manifestações, movimentos e vertentes artísticas que se possa classificar como underground, melhor não mergulhar tão fundo! Creio que tudo que soa de difícil assimilação, restrito (infelizmente) a pequenos nichos ou que sobrevive longe dos grandes circuitos pode ser chamado de underground! É assim na música, no cinema, teatro, poesia, artes plásticas, literatura e até com grupos políticos!

Sabe o poeta recitando num sarau na praça, o músico se apresentando na barca ou no metrô? Ou aquele show de Rock com um monte de banda se revezando no palco (e você não entendendo nada), o fanzineiro tentando te passar seu zine por uns trocados na porta do bar, a instalação em lugares inusitados (que você não viu anunciada no jornal), o escritor vendendo livros no boca a boca e por aí vai? Tudo isso (e mais um monte de coisas que a gente nem sabe que acontece por aí) é o tal do underground.



foto: poeta Carlos Brunno, de Valença/RJ, em edição do Sarau Feira Moderna (por: FMZ

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