por
Rafa Almeida
Todo
mundo que em algum momento da vida frequentou ou se envolveu com a
cena underground, qualquer que seja a vertente, já ouviu a
pergunta que dá nome ao presente artigo. Pergunta aparentemente
simples, mas que quando precisamos responder traz à mente tantas
questões, que nos vem todo tipo de resposta. Menos a que gostaríamos
de dar...
Seria
bastante simples falarmos de underground como o universo das
bandas e selos independentes, os shows pra meia duzia de
interessados, fanzines e por aí vai. Mas assim estaríamos falando
apenas do underground como conhecemos. Ou ao menos a minha
geração conheceu, lá pelos anos 1990. A rede de contatos e troca
de materiais via correspondência, afinidades que surgiam de gostos
tão específicos (mas tão específicos!), que tínhamos a sensação
de que nós e a pessoa com quem trocávamos carta éramos os únicos
que conheciam determinada banda ou estilo!
É
muito comum esquecermos que o cenário descrito acima remete apenas à
uma vertente do underground. Ou, ao “underground
roqueiro”. E de alguma forma, isso dá pistas do
porquê de tanta gente com ideias conservadoras terem “surgido”
no meio de uns tempos pra cá. Mas aí já é outra história...
Voltando: tratar underground como um emaranhado de
cenários culturais alternativos que podem ou não se cruzar em algum
momento seria o mais correto. Porém, isso torna achar uma definição
para “underground” uma tarefa bastante árdua.
O
que não é consumido pelo mainstream (show business, universo pop, cultura de massa...), que não é
difundido pelos grandes veículos de comunicação ou simplesmente
dialoga com um público específico demais para ser levado em conta
pelo mercado é underground, correto? Sim. Mas depois que a
humanidade desaprendeu a viver sem internet e as redes sociais
tomaram conta da vida de todos (ou quase todos), ficou meio difícil
estabelecer um limite entre o que é underground e o que é
mainstream.
Considerando
que toda a produção artística que não esteja sob os holofotes da
grande mídia possa ser classificada como “underground”,
não é muito difícil identificar certas diferenças entre
underground
e mainstream.
Tipo: “seu amigo poeta no
Facebook x poeta homenageado na FLIP”,
“a banda de seus colegas
de faculdade x atração do palco mundo do Rock in Rio”
ou “o grafiteiro do bairro
x o cara que expõe na galeria de Nova York”.
A lista é grande: “cena
clubber x dance music”
(ao
menos nos 90's),
“sertanejo universitário
x sertanejo de raiz”,
“Punk de subúrbio x
banda Punk que assinou com gravadora”
e por aí vai... Fato é que com o advento da internet toda essa
discussão ficou muito mais complicada
Se
por um lado o mundo virtual trouxe consigo uma gama de possibilidades
quando o assunto era distribuir ou apresentar sua obra ao público, o
artista sem recursos ainda levaria um certo tempo pra sacar que sem
investimento nada aconteceria. Sua música, poesia ou sua HQ
poderia chegar a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo com um
apertar de botão. Mas isso não queria dizer que um número
substancial de pessoas se interessaria por sua obra. De alguma forma,
se falava pra mais gente, sim. Mas daí a essa exposição ser o
bastante pra levar alguém ao mainstream,
era outra história.
Ainda
sobre a grande rede (é, sou velho...). É estranho pensar que mais facilidade na
comunicação e na difusão de determinada produção cultural não
fez com que certos cenários crescessem, mas sim com que se
isolassem. Vejamos: quanto mais as redes sociais se popularizavam,
mais as pessoas se isolavam. Ou se fechavam em suas bolhas. E esse
movimento não se limitou ao ambiente político. Cada vez mais os
eventos underground
ficavam mais restritos a seus nichos, ou ao círculo de amigos dos
artistas que deles participavam (ok...
há exceções).
Ao
mesmo tempo que se via o abismo entre os dois mundos diminuir (com a
comunicação facilitada), era como se underground
e mainstream
de alguma forma se afastassem. Estranho, né?
Surgiram artistas/cenas intermediários. Algo como uma galera com um
mínimo de estrutura e investimento suficientes para lhes dar
destaque em sua cena, mas não o suficiente para fazer dessa galera
mainstream.
E alguns aspectos comuns aos dois universos contribuíam pra isso.
B.Negão cantou certa vez no
Planet Hemp
que: ”Underground ou
mainstream, a maioria age igual pra mim. Caminhos diferentes que
levam pra um mesmo fim”.
O trecho é certeiro! Apesar da diferença de estrutura, investimento
e popularidade, há aspectos que se referem a ambos os universos.
Concorrência, puxadas de tapete, egos inflados e toda sorte de
exemplos do que de pior habita o ser humano são facilmente
identificados em qualquer cenário, independente do valor do cachê
(e olha que às vezes nem há cachê!).
Ainda
assim, há quem defenda que todo artista underground
sonha em ser mainstream.
Nunca fez muito sentido pra este que vos escreve. Afinal de contas,
de poetas a bandas Punks,
passando por artistas plásticos, há cenas e movimentos culturais
que sempre fizeram questão de se manter longe dos holofotes. Seja por
convicção filosófica, necessidade artística, opção de mercado
(até isso é possível, e faz todo sentido!) ou por vaidade, pura e
simplesmente.
Underground
tem a ver com posicionamento político? No entender deste que,
atabalhoadamente vos escreve, tem sim! Mas calma! Não me refiro a
militância partidária, nem nada do tipo. Isso pode haver, ou não.
Mas entendo que cenários que existem à parte da cultura de massa e
são, na maioria das vezes, mal vistos e incompreendidos pelo ”mundo
lá fora” deveriam adotar uma postura libertária, a favor da
diversidade (de todas as formas). Ou, no mínimo, combater toda e
qualquer forma de discriminação (aliás, como toda arte deveria
fazer). Me parece que seria o mínimo, mas enfim..
Ok!
Toda produção artística que está fora da grande mídia é
underground.
Com isso concordamos, certo? E a internet cagou tudo (no melhor dos
sentidos) quando deu ferramentes para que "qualquer um" espalhasse sua
arte, ou mesmo que qualquer cultura fosse difundida sem precisar das
“vozes oficiais” para tal. Acho que concordamos com isso também,
né?
Só que, por exemplo, as ferramentas de impulsionamento (chama assim
mesmo?) nas redes sociais (entre outros fatores) serviram pra nos
lembrar que a grana ainda dita quem aparece mais ou não. E isso
dificulta qualquer forma de exposição minimamente democrática, não
é mesmo?
Daria
pra ficar aqui eternamente listando aspectos que aproximam e afastam
o underground
do mainstream.
Mas como a ideia aqui é tentar uma definição abrangente o bastante
pra caber o máximo de cenários, manifestações, movimentos e
vertentes artísticas que se possa classificar como underground,
melhor não mergulhar tão fundo! Creio que tudo que soa de difícil
assimilação, restrito (infelizmente) a pequenos nichos ou que
sobrevive longe dos grandes circuitos pode ser chamado de
underground!
É assim na música, no cinema, teatro, poesia, artes plásticas,
literatura e até com grupos políticos!
Sabe
o poeta recitando num sarau na praça, o músico se apresentando na
barca ou no metrô? Ou aquele show de Rock
com um monte de banda se revezando no palco (e você não entendendo
nada), o fanzineiro
tentando te passar seu zine
por uns trocados na porta do bar, a instalação em lugares
inusitados (que você não viu anunciada no jornal), o escritor
vendendo livros no boca a boca e por aí vai? Tudo isso (e mais um
monte de coisas que a gente nem sabe que acontece por aí) é o tal
do underground.
foto:
poeta Carlos Brunno,
de Valença/RJ, em edição do Sarau
Feira Moderna (por:
FMZ)