A
ideia aqui não é tratar do cenário underground de São
Gonçalo, município da Região Metropolitana Fluminense onde é
realizado o Rock na Garagem, mas assim como no artigo sobre o
Metallica Pub (espaço que abriga o evento) publicado aqui no
final do ano passado, fica difícil contar a história de nosso Rock
na Garagem sem resvalar e/ou emitir opinião a respeito dessa ou
daquela fase do under por essas bandas. De qualquer forma,
caro leitor, vou me esforçar ao máximo para não perder o foco. O
que vem a seguir diz respeito apenas ao Rock na Garagem. Que,
de alguma forma, traduz a visão deste que vos escreve não só do
underground ou da música independente, mas do que o mesmo
entende ser o papel de qualquer cidadão que por ventura tenha
contato com arte, música, cultura.
Vale
salientar que desde sua primeira edição o Rock na Garagem
nunca saiu do Metallica Pub. Mesmo com algumas interrupções,
pequenos períodos sem edições realizadas e fases muito difíceis
do cenário independente local, o evento manteve a proposta inicial
de oferecer apresentações de bandas independentes, veteranas e
iniciantes, sempre com entrada franca e sem distinção, nem nenhum
tipo de restrição no que diz respeito a estilo, vertente musical
e/ou ideológica. Afinal de contas, a ideia era criar um espaço
livre para toda e qualquer manifestação artística. Obviamente o
'prato principal' sempre foram os shows. Porém, ao longo dos sete
anos de vida de nosso Rock na Garagem, outras vertentes
artísticas tiveram voz, como por exemplo as diversas mostras de
fanzines, lançamento de livro e outras atrações oferecidas ao
longo das edições do evento.
Voltando
um pouco no tempo, mais precisamente para o ano de 2006. Como alguns
de vocês já devem saber, em março desse ano acontecia a primeira
edição do Rock na Garagem. Este que vos escreve e o
compositor Xarles Xavier cruzavam o município de São Gonçalo
com o que seria o equipamento usado pelas bandas no show num carrinho
de mão. Noite memorável. Ao menos dois shows ficaram na memória: o
das meninas da banda João do Caminhão e da carioca La
Puta Madre. A rua José do Patrocínio, onde fica o Metallica
Pub, estava cheia. Lá dentro, calor e pogo. Ou seja, noite
incrível! Mesmo a volta pra casa, com carrinho de mão (e meia dúzia
de cervejas nas ideias) e tudo, foi divertida! Se bem me lembro essa
foi a única edição que fizemos Xarles e Eu. A partir daí,
este que vos escreve assumiria a produção do evento, sempre
contando com a colaboração da direção da casa, claro.
Nessa
mesma época, outras edições reuniram grande quantidade de público.
E, claro, ficaram na memória. Não tenho a pretensão de vencer as
barreiras de minha memória e citar exatamente que banda participou
de qual edição (tem tudo documentado no fanzine que lançamos em
comemoração aos seis anos do evento), tudo bem? Porém, ainda nessa
primeira fase do evento não me saem da cabeça os shows de
Indigentes, Espaçonave, SIC, T.A, Toár,
Matando Cachorro à Grito... Enfim, seja por reunirem um
grande público, ou por apresentações muito legais, esses nomes de
alguma forma marcaram a primeira fase do evento. Até o momento, o
Rock na Garagem era realizado nas noites de sexta-feira,
sempre com duas datas por edição. Mais adiante, passaríamos para
às tardes de sábado. O Rock na Garagem entrava em uma nova
fase.
Esta
talvez tenha sido a melhor época do Rock na Garagem. Na
comemoração de um ano do evento, com direito a churrasco e mais uma
vez rua José do Patrocínio abarrotada de gente, novamente a La
Puta Madre e outra banda formada por garotas, a She Screams!,
seriam destaques! Nessa mesma época, Kumedôdikualheio, Petit
Gâteau, Comando Delta, Repressão Social e outras
proporcionaram momentos importantes, tidos até hoje com as melhores
edições do evento já realizadas. Isso devia ser em meados de 2007,
ou comecinho de 2008... O grande lance é que à essa altura do
campeonato o cenário local (olha ele aí...) não estava em sua
melhor forma, por assim dizer. Seja por conta de uma fase ruim (que
acabaria durando mais do que o esperado) ou por uma mudança de
pensamento não apenas do público, mas da galera das novas bandas...
Enfim, tanto o Rock na Garagem quanto o underground da
Região entravam numa fase dificílima.
Não
estou me referindo apenas a falta de público nos shows. Muito dessa
escassez se devia à grande quantidade de eventos do tipo 'mega',
'super', 'ultra'. Eventos de grande porte são importantes para
qualquer cenário. Mas quando se tem toda semana as mesmas trinta,
quarenta, cinquenta bandas fazendo os mesmo shows, nos mesmos
lugares, é de se imaginar que num determinado momento as pessoas se
cansem (tanto público quanto bandas). O tal do 'pague pra tocar'
também contribuiria para o citado esvaziamento, porém, não dá pra
apontar como único culpado. As novas gerações não pareciam muito
afim de interagir, participar. As redes sociais davam o tom de um
cenário musicalmente empobrecido e de uma geração vazia, nula,
apática. De qualquer forma, o Rock na Garagem não parou.
Mudanças no número de atrações, inúmeras trocas de formato e
horário. Fizemos o que foi possível.
Também
por essa época, um dos episódios mais tristes destes sete anos de
Rock na Garagem marcou negativamente a história do evento.
Eis que um idiota (não consegui encontrar termo mais adequado) acha
por bem fazer uso do nome do evento para, pasmem, um evento no mesmo
Metallica Pub! Não satisfeito, ainda teve a cara de pau de
recolher 'contribuições' das bandas para viabilizar a realização
do mesmo. Tanto eu como a direção da casa, só tomamos conhecimento
do ocorrido no final de semana do tal 'rock na garagem'. O que
acontece é o seguinte: Não havia como uma pessoa estar minimamente
envolvida com o meio underground de Niterói e São Gonçalo
sem ter pelo menos ouvido falar de um tal Rock na Garagem,
realizado num tal de Metallica Pub.
As
redes sociais tornavam qualquer informação acessível. O nome do
nosso Rock na Garagem já circulava através de bandas de
diversas cidades do interior do Rio de Janeiro que faziam contato e
participavam do evento, de sites especializados e fanzines
espalhados pelo Brasil com os quais sempre tivemos contatos. Logo,
impossível não associar a mim, ao Feira Moderna Zine ou
outro projeto por mim criado um 'rock na garagem' acontecendo no
Metallica Pub, certo? O pior de tudo foi a forma como chegou
até mim: um integrante de banda, escalado para esse falso 'rock na
garagem' me interpela em um show, em Niterói, com a seguinte
cobrança: “Ó, tô pagando pra tocar nessa sua parada, hein?
Quero só ver qual vai ser!” A sensação é horrível.
Resumo
da ópera? Fui até o tal 'rock na garagem' e procurei o
(i)responsável pela cagada. Encontrei um sujeito completamente
embriagado que, na falta de argumento, se pôs a tentar 'ganhar no
grito'. Turma do deixa disso e blá blá blá... Talvez seja
um dos poucos arrependimentos que tenha com relação ao Rock na
Garagem: não ter levado a coisa adiante. Não teria muito
trabalho em provar a qualquer juiz que Rock na Garagem, no
Metallica Pub é um projeto meu. Sempre foi promovido por mim.
E que aquele 'evento', da forma como foi feito, e (óbvio) sem o meu
consentimento, era altamente prejudicial a mim e a todo o meu
trabalho no meio independente. No final das contas? O sujeito e sua
banda simplesmente desapareceram do meio underground como
tantos e tantos aventureiros que por aqui passam. Nosso Rock na
Garagem continua até hoje...
Passados
os tempos difíceis, o Rock na Garagem entrou numa de suas
melhores fases. Edições devidamente acompanhadas e churrasco,
cerveja e bandas de camaradas trouxeram de volta o ânimo necessário
para continuar, resistir. Confesso que num dado momento passou pela
cabeça a ideia de deixar quieto, dar um tempo, enfim. Bandas como
Kopos Sujus, Macacos me Mordam, Michael J.Fox,
Ricto Máfia (hoje Ricto) e lendas vivas como a Anarchy
Solid Sound foram responsáveis por mais momentos importantes,
memoráveis. No fundo a ideia sempre foi criar um espaço agradável,
livre e principalmente cercado de boas vibrações. A arte
proporciona isso. E a sensação de, ao mesmo tempo, estar promovendo
cultura, entretenimento de qualidade e proporcionando um final de
semana agradável a outras pessoas, compensa tudo. Tudo.
O
que algumas pessoas e bandas não entenderam é que o Rock na
Garagem é um evento à moda antiga. Explico: nos idos dos anos
noventa o underground carioca, e principalmente aqui na
Região, gozava de algumas características que com o passar dos anos
foram se perdendo. Se por um lado tudo era meio que precário, amador
e carente de estrutura, por outro sobrava cooperação. Independente
de determinada banda estar ali apenas para tocar por puro prazer,
para protestar através das letras de suas canções ou encarando
tudo aquilo como uma etapa em busca do tal do sucesso. Havia o
simples desejo de fazer as coisas acontecerem, simples assim. Com o
passar do tempo, a cena mudou. A busca frenética (e muitas vezes
burra) pelo sucesso dos anos oitenta voltava junto com a
popularização de redes sociais e demais mecanismos de
compartilhamento de música. Num piscar de olhos, todo mundo era
músico profissional, tinha e exigia os melhores equipamentos, não
se rebaixava a divulgar shows pois o público deveria vir até ele e
blá blá blá... Não tenho nada com os princípios, muito
menos com os sonhos de ninguém, mas... Quer que seu show seja viável
para determinada casa, ou produtor? Trabalhe pra isso...
Quando
começamos, Xarles e Eu, com o projeto do Rock na Garagem
o Metallica Pub tinha pouco em, termos de estrutura, para
oferecer. Não consigo sequer contar as vezes que transportei amplis,
pedestais e o que mais tivesse de carregar de ônibus. Madrugadas
colando cartazes em postes e tapumes, caminhando de Alcântara até
Neves (quem é daqui da área tem noção do que é isso). Aliás,
nunca ouvi uma reclamação por parte do Xarles. Nunca me
queixei também. Pelo contrário, sentia um prazer imenso em poder
colaborar com o quadro cultural do lugar onde nasci e no qual cresci.
Vale lembrar que estamos falando de um evento sem fins lucrativos.
Nunca ganhei nada com o Rock na Garagem. Com o passar dos
anos, o próprio Metallica Pub cresceu, melhorou sua
estrutura. Hoje, é possível trabalhar de forma mais tranquila.
Continuo não lucrando absolutamente nada. Ok, o pessoal da
'produção cultural' e a 'turma da cultura' podem dar cambalhotas de
ódio, mas é assim que a coisa é. É claro que não me incomodaria
nem um pouco em ser remunerado por esse trabalho, mas não abriria
mão da liberdade que a casa me dá e que a independência,
exclusivamente num caso como o do Rock na Garagem, me garante.
Mudando
de assunto (tá muito confuso?): As últimas edições do Rock na
Garagem, realizadas de 2011 pra cá foram extremamente
gratificantes. Apesar de decepcionado com uma ou outra data, quando
esperávamos grandes públicos e não tivemos, fico feliz de termos,
através de nosso evento, trazido nomes como os novatos (e
promissores) Gambrinus 74 e Filios do Licho, a clássica
Speaknine e a lendária, clássica e tudo o mais Protesto
Suburbano para tocar em São Gonçalo. Em absolutamente todas
essas ocasiões, o pouco público foi compensado pela presença de
pessoas realmente interessadas no meio underground. Não é de
graça, que só recebemos elogios das bandas citadas.
...A
ideia era publicar algo mais leve, contando uma ou outra situação
engraçada ou curiosa ocorrida em alguma edição do evento. Mas
confesso que falar de um evento que há sete anos resiste num cenário
inconstante como o daqui, sem patrocínios e com entrada franca
acarreta tanta coisa que fica difícil não lembrar desse ou daquele
aspecto. De qualquer forma, um dia publicaremos algo nesse sentido.
Vai por mim, história maluca é o que não falta. Desde banda
perdida por São Gonçalo, porres fenomenais, Punks sendo
abduzidos, até... Essa vale contar: Sem citar nomes, claro. Certa
vez uma banda alegou que só tocaria se a casa dispusesse de dois
microfones (na época, havia apenas um). Uma galera sai voando de
carro, cruza a cidade, toma dura da PM e volta com o tal microfone! A
banda? Ao serem informados de que o tal microfone havia chegado,
alegam não poder se apresentar pois estão sem seu vocalista.
Detalhe: o sujeito foi visto correndo atrás de um ônibus após
perceber que sua exigência havia sido cumprida... Vai entender, né?
Enfim, coisas que acontecem.
Voltando:
Ainda faltam alguns ajustes. A cada edição que passa, vamos revendo
e pensando no que é possível se fazer para melhorar. Ainda queremos
uma interação maior com o pessoal da poesia, das artes plásticas,
enfim, de utras manifestações artísticas. Estamos falando de
cultura, arte, logo, todos são muito bem vindos! Queremos maior
participação da galera da literatura independente também, como
fizemos na edição de outubro passado, promovendo o lançamento do
primeiro livro de nosso colaborador e parceiro Carlos A. Ainda
há muita coisa a ser feita.
Não
vou me estender colocando dificuldades, problemas, questões pessoais
nem nada disso. Gostaria sim de agradecer, em nome do Rock na
Garagem e de todos os envolvidos, ao Metallica Pub, Moto
Rock Club, apoiadores, bandas e parceiros pela oportunidade de
poder interferir, participar ativamente do cenário cultural de minha
Região. Atuar na linha de frente da única coisa que ainda acredito
e entendo como ferramenta de transformações sociais reais: Cultura.
Não a cultura dos editais, dos diplomas, da ganância, do jogo
político ou dos mega patrocínios. Mas a cultura feita no braço, na
raça, como opção de vida, de causa, de luta. Obrigado a todos
vocês.
Sábado
que vem temos a chance de juntos, promovermos uma das edições mais
bacanas desses sete anos do Rock na Garagem. Desde já
agradeço a Carlos Spihler, Xarles Xavier, DJ Wesley
Snayps e à galera de Petrópolis, Neutrônica e Roots
of Hate. Tem mostra de fanzines, stand de material
independente e cerveja barata, ok? É só aparecer.
Rafael
A.
Rock
na Garagem – Especial 7 Anos:
Serviço:
30
de março :: sábado :: 19h
Rock
na Garagem – 7 Anos
Shows:
Carlos Spihler – Neutrônica – Roots of Hate
– Xarles Xavier + discotecagem: DJ Wesley
Snayps & Rafael A. + mostra de
fanzines + stand de material alternativos
Local:
Metallica Pub
Edn.:
Rua José do Patrocínio, 42, Porto Novo, São Gonçalo/RJ
fotos:
Rafael A. / Latitude Zero Prod.