domingo, 7 de julho de 2019

Artigo :: Sobre diversas formas de (re)existir


por: Rafa Almeida

Há tempos sem atualizar isso daqui, né? Pois bem, entre idas e vindas deste fanzine na web, uma das questões que mais atormenta este que vos escreve é: como fazer com que o FMZ ainda soe relevante? Longe de uma solução pra nossa versão online, achar um formato pra internet que minha incompetência tecnológica consiga dar conta ainda é um dilema e tanto.

Sempre atrasado com relação à novas mídias e tecnologias, meu contato com o mundo dos podcasts se deu não tem muito tempo. E foi nesse mundinho maluco de apps e plataformas cheio de coisas bacanas que (muitas vezes) remetem a um tipo de rádio que há muito não se faz que dei de cara com um dos responsáveis por minha mente musicalmente perturbada: o RoncaRonca!

Isso mesmo! O “programinha” de Maurício Valladares (foto) ainda resiste! E o termo correto é esse mesmo: resistir. Conheci o RoncaRonca na virada da década de noventa para os anos dois mil (possivelmente um pouco antes disso). Na época, apesar de modismos pra tudo quanto era lado (inclusive no mainstream do Rock), ainda havia alguma chance de encontrar música alternativa no rádio. E foi na finada Imprensa FM que descobri, entre outros, programas como EP Vanguarda e RoncaRonca.

O primeiro com uma cara mais de “underground carioca”. Rock Alternativo, Hardcore, nessa onda. Aliás, o especial que virou demo ao vivo da banda carioca Formigas Desdentadas, numa das edições do EP Vanguarda, ainda consta nos arquivos deste que vos escreve. Devidamente gravado em fita k7! Já a atração comandada pelo DJ e fotógrafo Maurício Valladares era (e ainda é!) um verdadeiro caos! Tinha (e tem!) de tudo! Rock Clássico, Jazz, Reggae, Soul, experimentalismos e toda sorte de sons!

Desses tempos, ficaram alguns bons registros na minha coleção de k7's (a parte da qual não consegui me desfazer): um ainda desconhecido Rogério Skylab, os incríveis Black Alien & Speed e Paralamas tocando ao vivo nos estúdios da rádio e o Dado, da Legião, mostrando raridades da banda entre outros momentos bacanas. Tudo gravado ali, na hora e com o ouvido grudado num duplo deck da Gradiente. Era esperar o programa entrar no ar com o dedo no rec e torcer pra rolar intervalo na hora de trocar o lado da fita!

Ouvi muita coisa pela primeira vez no RoncaRonca: Afrika Bambaataa, os citados Black Alien & Speed (ainda juntos), o Surf Rock da Man Or Astro Man, a carioca Bia Grabois e mais um monte de gente boa de todas as épocas e vertentes possíveis e imagináveis! A salada musical do mais alto nível oferecida por Maurício Valladares foi uma das responsáveis por este fanzineiro (em tese, quase aposentado) ter se livrado de boa parte dos preconceitos musicais que ainda carregava até a virada do século.

Por muito tempo reticente quando o assunto era música brasileira, não resisti a Bezerra e Paulinho da Viola surgindo (quase que) estrategicamente entre Hendrix e Led Zeppelin, ou entre um Peter Tosh e algum clássico Progressivo! Afinal, era tudo música! E ter acesso a tudo aquilo pelo dial só tornou a coisa mais marcante, dada minha paixão por rádio!

O RoncaRonca surgiu na clássica rádio niteroiense Fluminense FM, teve outros nomes e rolou em outras rádios até chegar na Imprensa FM. Passou rapidamente pela Rádio Cidade (se bem me lembro) e se mudou pra Oi FM antes de desaparecer do dial carioca. Até onde entendi a Oi FM continua ativa em outras praças, com o “programinha” de Maurício Valladares no ar.

A saber: A Imprensa FM era uma rádio antiga, do tipo que alugava horários. Na programação rolava desde o programa de Hip Hop da Cufa (a Central Única das Favelas) até atrações dedicadas a pontos de Macumba e tudo o mais que se possa imaginar sendo transmitido via rádio! A Imprensa saiu do ar no começo dos anos dois mil.

De volta ao “Ronquinha”. Descobrir algo tão relevante pra minha formação musical em meio a apps, plataformas, podcasts e modernidades afins é motivo de grande alegria! Como insisto aqui desde os últimos artigos e notas, em tempos sombrios, quando arte e cultura se transformam em inimigos, toda forma de resistência é válida!

E de alguma forma o dilema de nosso FMZ posto no primeiro parágrafo se desfaz quando percebemos que a relevância se dá, muitas vezes, pela longevidade. No caso do RoncaRonca, há muito mais que apenas os anos de existência. É a força e a magia do rádio transportadas para a web. E, independente da plataforma usada para levar o programa até o público, o encantamento de ouvir a salada musical de Maurício Valladares grudado nos falantes do meu antigo duplo deck se deu novamente nos fones do celular. Vida longa ao RoncaRonca e a todas as formas de (re)existência!

Conheça o RoncaRonca.

foto: O Globo

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