segunda-feira, 24 de março de 2014

O Rock de volta ao dial carioca


A discussão já vem de alguns bons anos. Desde de uma tentativa de volta da saudosa Flu FM no começo dos anos dois mil e o fim da Rádio Cidade (na época sob a batuta da Rede Rock - leia-se 89FM) que se levantava a questão da falta de emissoras de rádio voltadas para o público roqueiro no dial carioca. Mais que isso, questionava-se o futuro do rádio. Este que vos escreve, fã apaixonado do rádio (FM e AM, desde a infância), se afastou um pouco do bom e velho amigo das madrugadas. Salvo algumas raras exceções (basicamente a emissora de notícias Band News Fluminense FM, no dial da antiga Maldita), não havia muita coisa interessante a ser sintonizada...


E não é que depois de um longo hiato o Rio de Janeiro voltou a contar com rádios Rock em seu dial? Isso mesmo, duas rádios voltadas para o segmento Rock de uma só vez! E antes de qualquer consideração a respeito da chegada da Kiss FM e a volta da Rádio Cidade, é bacana deixar claro o seguinte: sob qualquer ótica, é bacana ter Rock rolando no rádio. Independente de vertente, é importante para o Rio de Janeiro dispor de opções não só para amantes do rádio (e do Rock, de uma forma geral), mas para o ouvinte desavisado, o 'não iniciado', enfim. Qualquer um que possa, mesmo sem querer, passeando pelo dial dar de cara com guitarras cuspindo distorção, certo?


Difícil definir quem veio primeiro. Se a chegada da Kiss ao RJ teve alguma coisa a ver com a volta da Rádio Cidade, ou o contrário. Porém, a cerca de três semanas as redes sociais foram tomadas pela notícia da volta da Cidade. Já sem o slogan 'A Rádio Rock', ficava claro que a rádio operando nos 102.9FM não tinha nenhuma ligação com a Rede Rock. Claro, também, ficou a decisão de voltar ao dial com o mesmo conceito, linguagem, enfim. Na verdade, até mesmo a programação (numa primeira audição) pareceu ser muito semelhante ao que era apresentado pela rádio até o momento em que a mesma encerrou atividades, em meados dos 2000.


É bem provável que (e talvez já esteja rolando) com o passar do tempo a Cidade inclua mais lançamentos e uma ou outra coisa mais, digamos, alternativa, em sua programação. Mas, até o momento, o que tem rolado em 102.9 é uma programação muito parecida (quase idêntica) ao que se podia conferir na rádio antes de seu final. Uma programação basicamente voltada para não iniciados, com ênfase em hits. E sim, é uma porta de entrada razoável para novos fãs de Rock.


Fica a dúvida: será que programas como o Cidade do Rock lá dos 90`s, com direito a RDP, Angra (foram apresentados ao grande público carioca pela Cidade, diga-se de passagem), Pantera e outras coisas bem interessantes, e A Vez do Brasil (voltado para bandas independentes) se farão presentes na programação da rádio? Os shows promovidos pela emissora também eram uma contribuição e tanto, diga-se de passagem. Será que voltam com a mesma força? Ok, a rádio mal voltou à ativa e já estou eu aqui cobrando uma penca de coisas (e olha que nem era um ouvinte tão fiel assim da rádio...). É esperar pra ver o que acontece...


Do outro lado do dial, em 91.9FM, aparece a Kiss FM. Na verdade, não é que apareceu assim, de repente, do nada. Em alguns pontos do Rio já era possível sintonizar a rádio faz um tempo. Porém, agora rola de forma oficial: a paulista Kiss opera em terras cariocas! Uma rádio que surgiu voltada exclusivamente para o Classic Rock e que, com o passar do tempo (e, creio eu, devido a questões comerciais) passou a 'abrir o leque'. A Kiss FM toca coisas novas? Sim. De artistas consagrados, mas toca. Óbvio, estamos falando de uma rádio, essencialmente, de Classic Rock.


Mas justiça seja feita: que programação! Dependendo do horário em que se sintoniza os 91.9FM é certeza que, mais cedo ou mais tarde, vamos parar o que estamos fazendo pra um: “Êita! Olha o que os caras desenterraram!!!” E ao menos pro público carioca, desde a saudosa Flu FM que não dá pra ligar o rádio e dar de cara com Siouxsie & The Banshees, Zero, Violeta de Outono, Rainbow, Made in Brazil, New Model Army e outros! Ou ligar o rádio num domingo à noite, ficar por dentro das novidades do cenário Metal e curtir uns clássicos ouvindo o renomado Backstage, de Vitão Bonesso (dava pra conferir na web, mas no rádio é muito mais legal)!!


Ambas as emissoras tem um desafio e tanto pela frente. Na verdade, um desafio do rádio de uma forma geral: promover a tal interatividade. Hoje em dia, é fundamental estar em sintonia com o ouvinte. Mesmo o mais alienado, perdido ou desinteressado, quer 'meter o bedelho'. Concorrer, no que diz respeito à novidades, com a internet é praticamente impossível. Logo, se fazer relevante é uma tarefa das mais complicadas. Nesse sentido, a Kiss FM se sai bem. Já que, em sendo uma rádio voltada para clássicos, atende um publico mais interessado em raridades, versões obscuras, lados B, enfim. Já a Cidade, notadamente mais 'atual' se vê diante da necessidade de alimentar o ouvinte com novidades (principalmente as locais). Papel este, cumprido integralmente pela web nos dias de hoje.


E como sobrevive uma rádio Rock? Dá pra sonhar com o surgimento/volta de uma nova Fluminense FM? Difícil... Os tais interesses comerciais vão sempre existir. Logo, não sei até que ponto vale a pena sonhar com uma rádio como foi a Maldita nos anos oitenta (e comecinho dos noventa, quando tive a oportunidade de acompanhar). Sendo que foram justamente questões comerciais que, invariavelmente, batiam de frente com a postura da emissora niteroiense, drenando forças e levando a mesma a encerrar atividades. Aliás, vale a dica: leiam A Onda Maldita – Como Nasceu e Quem Assassinou a Fluminense FM, de Luiz Antonio Mello, a mente por trás da Flu FM clássica. Ótima leitura pra quem quer entender os desafios de uma rádio Rock pra valer (vai muito além de música), no mercado.


Um pouco de saudosismo? Escrever sobre rádios Rock me levou pra uma viagem no tempo. Quando citei, aí em cima, que não era um 'ouvinte tão fiel assim' da Rádio Cidade, o fiz pois durante um bom pedaço dos anos noventa e (pelo que me lembro) comecinho dos dois mil, minhas atenções no dial estavam voltados para a extinta Imprensa FM. Emissora que alugava horários, logo, tinha uma programação que ia do religioso ao Hip Hop (programa da Cufa – Central Única das Favelas). E no meio dessa salada, duas das minhas maiores influências, ao menos no que diz respeito à correr atrás de novidades, raridades, experimentações e maluquices de todo tipo: Ronca Ronca, do fotógrafo e DJ Maurício Valadares e EP Vanguarda. Ambos foram importantíssimos pro cenário alternativo carioca na época. Rolaram outros programas de Rock na mesma Imprensa FM nessa época, mas esses dois foram os que tiveram, talvez, mais longevidade e me marcaram de forma definitiva. O que, aliás, me lembra que tenho caixas com gravações desses programas em k7... estão em algum lugar por aqui....



Voltando pros dias atuais! A presidente Dilma Rousseff assinou em novembro do ano passado decreto que autoriza a migração das emissoras de rádio AM para o FM. Ou seja, aumentam as chances de novas rádios, ou que novas propostas de programação surjam no dial. Tanto emissoras de grande porte, quanto rádios menores, de cidades do interior estão autorizadas a migrarem para o FM. Ponto pras rádios, que ganham em qualidade de transmissão e, claro, tem a chance de crescer comercialmente. E a troca do AM pro FM já acontece este ano! Aliás, a citada rádio Fluminense opera hoje em 540AM. Com a migração, quem sabe não tenhamos a Flu FM, se não igual, ao menos parecida com a Maldita de outras épocas?


Insisto que uma rádio, pra ser Rock, tem de ter Rock em seu DNA. Muito além de sua programação, o que conquista ouvintes e amantes de Rock (e, consequentemente, underground, contracultura e por aí vai...) é a postura, a linguagem, o discurso, a informação a ser difundida (e como difundi-la). E claro (voltando ao universo musical), estar atenta não só aos clássicos que precisam se apresentados às novas gerações, mas também às novidades que, hoje, pipocam freneticamente por aí (na web). E sem esquecer da interatividade, fundamental em nossos tempos. Aliás, é necessário uma atenção toda especial às novidades que estão em nosso quintal, debaixo de nossos narizes! Quem conseguir aliar todos esses quesitos aos tais interesses comerciais, no meu ponto de vista, se firma como 'a rádio Rock carioca' (ou em qualquer outro lugar) e terá, indiscutivelmente, um público e tanto a ser explorado: da coroada com saudades da Maldita, à garotada que está chegando agora.


De qualquer forma, o momento já é bom (eu e meu otimismo quase forçado...hehe). Rádios comerciais (assim como qualquer mídia de massa) sempre tiveram um alcance muito superior ao que qualquer veículo alternativo jamais terá. Porém, a imprensa alternativa tem a seu favor a proximidade com o público. É invariavelmente tocada por quem é envolvido com o meio para o qual é direcionada, logo, está sempre em dia com mudanças e novidades de seu respectivo cenário. Mas sem a gestão profissional da grande mídia... Talvez, a Maldita tenha sido o único veículo carioca (e brasileiro) que soube ser mainstream e underground ao mesmo tempo. E, muito provavelmente, foi exatamente isso que a matou... Os tempos são outros, mas alguns desafios permanecem à espera de quem os supere.

Rafael A.
Conheça a Kiss FM
Conheça a Rádio Cidade FM

Um comentário:

Bolinho disse...

Cara, me espanta que na era da web, com tanta informação facilmente disponível a um toque, com tantos sites de compartilhamento de musica e informação, o radio ainda seja uma ferramenta necessária e, mais: desejada. Mas, enfim, a ver o que vai rolar.
Abraço.

Leia também: