É,
dessa vez não serei breve... Falar de Marcelo Mendes para o FMZ é
fazer uma volta no tempo, lá para o comecinho deste fanzine. Este
que vos escreve, ainda nos bons tempos da troca de correspondências,
zines xerocados e troca de contatos com flyers dentro
das cartas, dava seus primeiros passos como fanzineiro,
produtor, maluco ou seja lá o que for! E eis que em mais uma visita
à caixa do correio, dou de cara com a carta de um tal de Marcelo
Mendes, com endereço de remetente da Ilha do Governador, Zona Norte
do Rio.
A
partir daí, foram algumas cartas trocadas, CD`s e fanzines
enviados de lá pra cá e de cá pra lá. O então radialista Marcelo
Mendes divulgava seu programa de numa rádio comunitária, sua banda
Reforma e, numa das correspondências, informava que começava uma
campanha para a instalação de uma Lona Cultural em seu bairro. Era
o início do projeto Movimento Cultural Prol Lona Renato Russo! O
tempo passou. Chegamos inclusive a dividir o mesmo palco no saudoso
Garage, na Rua Ceará (Rio de Janeiro/RJ). Eu com uma antiga banda,
Marcelo com sua banda Reforma. O projeto de uma Lona Cultural na Ilha
do Governador virou realidade. Estive em um evento na mesma Lona
muitos anos depois. E só depois de sair de lá me dei conta de que
se tratava do mesmo projeto que acompanhei via correspondência anos
antes (passou um filme na cabeça...).
Há
pouco tempo atrás, graças ao Facebook (ótima ferramente, é só
saber usar...), retomava o contato com Marcelo Mendes. Semanalmente
recebia novidades sobre a Lona Cultural Renato Russo. Documetários,
cursos abertos à comunidade, espaço para bandas independentes e uma
penca de projetos sociais de fundamental importância. É o tal do
'Rock' fazendo seu papel. Ao menos o 'Rock'
como nós aqui do FMZ enxergamos: O 'Rock' como
ferramenta de mudanças, inclusão social, educação, formação
profissional, transformador de realidades, enfim... Não poderíamos
deixar de procurar Marcelo Mendes e pedir uma entrevista para
sabermos mais sobre o projeto. No que fomos, aliás, gentilmente
atendidos. A seguir, o papo com o cara. Se liga:
FMZ_NOLINE:
Pra começar, queria que você contasse um pouco de sua trajetória
no meio musical/cultural. Como você descobriu esse 'universo' de
música, bandas, RocknRoll, enfiim?
Marcelo:
Bem, eu comecei muito novo. Quando eu tinha oito anos de idade eu
gostava muito de ler. Minha primeira leitura foi um livro de Luiz
de Camões, Os Luziadas. Eu sempre fui uma criança
diferente. Na escola eu ficava isolado dos outros, ficava lendo,
escrevendo coisas. Tipo versos, poesias. Fernando Pessoa
também sempre deu um certo centro em minha vida. Adorava ler. E fica
horas e horas lendo. Camões, Fernando Pessoa, Castro
Alves o tempo todo. Quando eu tinha quinze anos mais ou menos,
eu comecei a estudar violão. Eu escrevi algumas coisas. Letras,
rascunhos. Eu me lembro que eu peguei o violão, e fiz um Ré, depois
um Sol e um Dó em cima de uma letra que eu tinha escrito, e comecei
a fazer uma batida Folk. E saiu uma canção. No começo, meia
esquisita. Mais depois foi saindo o som melhor, três notas, coisa
tipo Punk. Eu me lembro que eu ouvi muito The Smiths,
direto. Eu quis até formar uma banda por causa disso. Me influenciei
muito nos Smiths... Um amigo do peito, Antonio Terra,
me mostrou uma banda muito legal, era a Legião Urbana.
Eu me apaixonei, amor à primeira vista. Eu fundei minha primeira
banda Punk na Ilha do Governador, em 1988, assim eu me lembro.
Era Punk mesmo, tínhamos oito canções. Tocávamos nas
casas do amigos na Ilha do Governador, era estranho. O guitarrista da
banda Tribuna, que era a banda que eu tinha fundado, andava de
calça rasgada. Eu tinha minhas roupas, calça jeans,
camisa branca e muita atitude, tínhamos canções com nomes
de “Mundo Novo” e “Egoísmo Humano” entre
outras. Eu ainda tive outra banda Punk (Império Vermelho)
que durou, de 1989 até 1990, um ano certo.
Em
3 de novembro de 1993 eu fundei a banda Reforma Íntima, que
tocou em vários lugares da Ilha do Governador e Rio de Janeiro.
Já
teve um tempo na Ilha do Governador que o Punk era real. Mas
como a Ilha do Governador tem vários lados diferentes, passa
desapercebido. Temos muitas comunidades carentes, mas também temos
bairros, como o Jardim Guanabara, onde o nível de vida é até
melhor do que Ipanema, Leblon, etc... E isso faz uma grande
diferença. Eu já morei no Jardim Guanabara, sei do que eu estou
falando. Tenho amigos(as) de vários bairros da Ilha do Governador,
amigos com várias posições sociais, de várias camadas. Eu sei do
que eu estou falando.
Em
1996, teve o movimento comunitário para fundar a primeira rádio
comunitária na Ilha do Governador, e eu entrei na Rádio
Comunitária FM Ilha 92,1, criei o programa Canal Aberto,
que abria espaço para bandas novas da Ilha do Governador e bairros
vizinhos. Também falava de Câncer de Mama, doenças sexualmente
transmissíveis... de arte, pintura, e do social. A Rádio
Comunitária FM Ilha acabou em 2003.
FMZ_NOLINE:
E como surgiu a ideia da Lona Cultural Renato Russo? Conte pra gente
como nasceu o projeto e um pouco do processo até sua inauguração.
Marcelo:
No final de 1998, eu estava na Praia da Bica, no Jardim Guanabara,
com alguns amigos e eu já tinha uma ideia. Muitas pessoas na época
achavam uma ideia esquisita, mas eu tinha essa ideia no meu coração.
A Ilha do Governador, em 1998, não tinha mais Lona Cultura, a minha
ideia era, se algum dia o projeto da Lona voltasse para a Ilha do
Governador, que recebesse o nome do Renato Russo. Era um
sonho, uma ideia, e eu falei com alguns amigos legionários e eles
adoraram a ideia. Então, em 1999, eu comei a reunir pessoas
simpatizantes, poetas, músicos, roqueiros, ONGs da
Ilha do Governador... Fizemos reuniões. Quase um ano negociando,
planejando. E em 12 de Dezembro de 2000, eu fundei oficialmente O
Movimento Cultural prol Lona Renato Russo da Ilha do Governador.
Nesse mesmo ano eu conhecia o Antonio do Quiosque Mar e
Sol, na Praia da Bica. Conversamos muito, pois um Movimento
Cultural precisa de um espaço para realizar seus eventos. E o
Quiosque Mar e Sol virou a nossa base. E em 2000 fizemos o
primeiro Rock Mar e Sol, na Praia da Bica. Foram três dias:
Sexta, sábado e domingo. Vinte e uma bandas de Rock. Depois
fizemos seis tributos em prol da futura lona cultural para o nosso
bairro. Nos eventos pegávamos assinaturas, eu falava no microfone
sobre a grande importância da Ilha do Governador ter uma lona
cultural, etc... Em 2004 teve uma votação popular na Ilha do
Governador para saber qual seria o melhor nome da futura Lona
Cultural da Ilha do Governador, pois a Prefeitura do Rio de
Janeiro já estava construindo a Lona no Aterro do Cocotá. A
obra estava em andamento. Eu continuei com o meu movimento
comunitário em prol da lona. Na votação de 2004 eu obtive 65% dos
votos , para que a futura lona recebe-se o nome do Renato Russo.
Em 2006 teve outra votação na Ilha do Governador. Vários artistas
da Ilha do Governador votaram para que o nome da futura lona
cultural fosse Renato Russo, com 74% dos votos.
Em
24 de Setembro de 2007, teve a inauguração da Lona Cultural
Municipal Renato Russo da Ilha do Governador.
Eu fiz um pedido para a Prefeitura do Rio na época:
a criação de uma sala com o nome do Renato Russo.
E que eu pudesse cuidar da sala. E foi criado a Sala
Memória Iconográfica Renato Russo. Como eu sou fã, muito, eu
já tinha várias coisas do Renato, fotos, posteres, quadros,
revistas, jornais, O fã clube Todos Numa só Legião me deu
a maior força na inauguração da Lona, me ajudaram em tudo que eu
precisava pra sala ficar legal.
FMZ_NOLINE:
E hoje, quais são os projetos e serviços oferecidos pela Lona
Cultural Renato Russo à população da Ilha do Governador? E ainda,
qual o impacto desses projetos na comunidade?
Marcelo:
Bem, temos as nossas oficinas culturais. Que são aulas de violão
infantil e adulto, modelo e manequim infantil, capoeira infantil e
adulto, desenho infantil e adulto, inglês adolescente, dança
infantil, teatro... 99% de nossos alunos são de comunidades
carentes. A lona cultural Renato Russo fica á cinco minutos
da Comunidade do Dendê. O impacto é: crianças mais felizes,
fazendo cursos gratuitos, aprendendo, se integrando e aprendendo uma
profissão, pois vários alunos nossos já saíram da Lona e estão
fazendo teatro, dança, balé, pois se formaram na Lona e buscaram
outros caminhos. Mas começaram na Lona, adquiriram experiência.
Esse legado é eterno. Tratamos todos os nossos bem.
FMZ_NOLINE:
São muitos projetos sendo realizados. Além de abrir espaço para
artistas independentes a Lona ainda promove oficinas e diversos
projetos culturais. Como é administrar tudo isso?
Marcelo:
Nunca é fácil administrar um espaço cultural. Ainda mais do
tamanho da Lona Cultural Renato Russo, que é a maior Lona
Cultural da Rede do Município do Rio de Janeiro. É maior em espaço.
Temos de ter paciência, calma, educação, profissionalismo, gostar
do que se esta fazendo e organização. As oficinas, cada uma tem o
seu horário certo e temos alunos que estão com a gente desde de
2007. Outros entraram agora, enfim. É normal manter isso pois as
oficinas funcionam em grades e cada oficina tem o seu dia e seu
horário certo.
FMZ_NOLINE:
E qual a participação do Poder Público nisso tudo? O Estado dá
suporte a esses projetos e à manutenção da Lona Cultural?
Marcelo:
As lonas culturais e a Lona Cultural Renato Russo da Ilha do
Governador pertencem a Prefeitura do Rio de Janeiro (SMC).
E a Prefeitura ajuda com uma verba. E essa verba ajuda na manutenção
do Espaço. E o administrador do espaço presta contas dessa verba
para a própria Prefeitura do Rio. Temos notas fiscais até de um
prego empregado na Lona Cultural Renato Russo...através da
Prefeitura do Rio, entendeu?
FMZ_NOLINE:
Há uma quantidade enorme de material a respeito da Lona Renato Russo
na internet, principalmente no Youtube. Como, e com a colaboração
de quais parceiros, esses materiais foram produzidos?
Marcelo:
Bem, isso é minha culpa. Eu sou fanático por cinema. Adoro, amo.
Então, na inauguração da lona, em 2007, eu pedi a alguns amigos
para registrarem. Eu aprendi a gravar e postar no Youtube. E
eu tive uma grande ideia: “vou criar um arquivo digital da lona
cultural Renato Russo! Tudo que acontecer na lona, eu vou gravar e
postar!” Então tinha um show, eu gravava. Tinha festa na Lona,
eu gravava. Tinham peças infantis, eu gravava. Aulas das oficinas eu
gravava e colocava no Youtube. Shows de bandas independentes,
eu gravava. De repente, a Lona Cultural Renato Russo se tornou
a Lona Cultural da Prefeitura do Rio com mais vídeos no Youtube!
Só para registrar: hoje em dia existem 10 lonas culturais. A Lona
Cultural Renato Russo é a décima lona a ser criada. E eu
continuei a fazer isso: gravar e registar tudo. E agora temos um
banco de dados que vai desde a inauguração em 24 de Setembro de
2007, até 2012. Não tem como não saber da existência da Lona
Cultural Renato Russo, pois só em 2012 já tem vários vídeos
no Youtube. É só escrever Lona Cultural Renato Russo.
E pode fazer um texto: escreva lona cultural Renato Russo 2008,
vai parecer. 2009, vai aparecer. 2010, vai aparecer.
2011 e 2012, vai aparecer. E por que eu fiz isso?
'Legado + Memória' para as futuras Gerações de artistas do meu
bairro, a Ilha do Governador.
FMZ_NOLINE:
Não poderíamos deixar de citar o personagem que dá nome à Lona!
Como foi para reunir o acervo que hoje está exposto na sala Memória
Iconográfica Renato Russo?
Marcelo:
Eu já tinha 99% do material. Discos, revistas, jornais,
posters, fitas k7,
a ajuda de amigos e pronto: a sala estava arrumada... E algumas
doações de amigos, fãs da Legião Urbana.
FMZ_NOLINE:
Agora falando do seu lado músico! Como anda a banda Reforma? Quais
as novidades?
Marcelo:
A banda Reforma está em estúdio terminando o novo material,
A Grande Reforma. Mas algumas canções já estamos colocando
na Rede para a galera ouvir, pois os pedidos são muitos para que
isso aconteça.
FMZ_NOLINE:
Antes de encerrar gostaria de deixar aqui os parabéns do FMZ ao
excelente trabalho realizado por você. Tive a oportunidade de ir
apenas uma vez à Lona Cultural Renato Russo e achei incrível tudo o
que vi aí. É importantíssimo que alguém ligado ao meio
underground realize projetos como esse, e mais, que um lugar como a
Lona Cultural aí da Ilha leve o nome de uma figura tão importante
para o Rock em nosso país. Afinal, quando falamos de Rock, cena
independente e tudo o mais, também (ou simplesmente) estamos falando
de responsabilidade social, inclusão, educação e compromisso com o
mundo que nos cerca. Parabéns! E pra finalizar: Qual o sentimento
de, depois de tanto trabalho e luta, ver seu projeto de uma Lona
Cultural na Ilha do Governador se tronar realidade e envolver tantas
pessoas, entre músicos, artistas, comunidade local, enfim?
Marcelo:
Uma vez me perguntaram isso, assim mesmo. Eu ganhei o Prêmio
Mérito Ilha de Cultura em 2008, por causa da Lona e toda a luta.
Eu só posso responder: muito obrigado. Realizar um sonho é muito
bom, mas eu trabalho muito para manter esse sonho vivo. Que é o
funcionamento da Lona. Todos os dias, de segunda a sexta feira, das
dez da manhã até as vinte e uma horas da noite. Sextas, sábados e
domingos temos shows, eventos, etc...
por:
Rafael A.
fotos:
Acervo Marcelo Mendes
Ducumentário
Lona Cultural Renato Russo:
+
Links:
Saiba
mais sobre a Lona Cultural Renato Russo.
Blog
do músico e Produtor Cultural Marcleo Mendes.
Conheça
o som da banda Reforma.
Mais
sobre Marcelo Mendes.
Assista
trecho do Rock in Ilha 3, na Lona Cultural Renato Russo.
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