terça-feira, 3 de julho de 2012

Entrevista : Marcelo Mendes (Lona Cultural Renato Russo)



É, dessa vez não serei breve... Falar de Marcelo Mendes para o FMZ é fazer uma volta no tempo, lá para o comecinho deste fanzine. Este que vos escreve, ainda nos bons tempos da troca de correspondências, zines xerocados e troca de contatos com flyers dentro das cartas, dava seus primeiros passos como fanzineiro, produtor, maluco ou seja lá o que for! E eis que em mais uma visita à caixa do correio, dou de cara com a carta de um tal de Marcelo Mendes, com endereço de remetente da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio.

A partir daí, foram algumas cartas trocadas, CD`s e fanzines enviados de lá pra cá e de cá pra lá. O então radialista Marcelo Mendes divulgava seu programa de numa rádio comunitária, sua banda Reforma e, numa das correspondências, informava que começava uma campanha para a instalação de uma Lona Cultural em seu bairro. Era o início do projeto Movimento Cultural Prol Lona Renato Russo! O tempo passou. Chegamos inclusive a dividir o mesmo palco no saudoso Garage, na Rua Ceará (Rio de Janeiro/RJ). Eu com uma antiga banda, Marcelo com sua banda Reforma. O projeto de uma Lona Cultural na Ilha do Governador virou realidade. Estive em um evento na mesma Lona muitos anos depois. E só depois de sair de lá me dei conta de que se tratava do mesmo projeto que acompanhei via correspondência anos antes (passou um filme na cabeça...).

Há pouco tempo atrás, graças ao Facebook (ótima ferramente, é só saber usar...), retomava o contato com Marcelo Mendes. Semanalmente recebia novidades sobre a Lona Cultural Renato Russo. Documetários, cursos abertos à comunidade, espaço para bandas independentes e uma penca de projetos sociais de fundamental importância. É o tal do 'Rock' fazendo seu papel. Ao menos o 'Rock' como nós aqui do FMZ enxergamos: O 'Rock' como ferramenta de mudanças, inclusão social, educação, formação profissional, transformador de realidades, enfim... Não poderíamos deixar de procurar Marcelo Mendes e pedir uma entrevista para sabermos mais sobre o projeto. No que fomos, aliás, gentilmente atendidos. A seguir, o papo com o cara. Se liga:


FMZ_NOLINE: Pra começar, queria que você contasse um pouco de sua trajetória no meio musical/cultural. Como você descobriu esse 'universo' de música, bandas, RocknRoll, enfiim?

Marcelo: Bem, eu comecei muito novo. Quando eu tinha oito anos de idade eu gostava muito de ler. Minha primeira leitura foi um livro de Luiz de Camões, Os Luziadas. Eu sempre fui uma criança diferente. Na escola eu ficava isolado dos outros, ficava lendo, escrevendo coisas. Tipo versos, poesias. Fernando Pessoa também sempre deu um certo centro em minha vida. Adorava ler. E fica horas e horas lendo. Camões, Fernando Pessoa, Castro Alves o tempo todo. Quando eu tinha quinze anos mais ou menos, eu comecei a estudar violão. Eu escrevi algumas coisas. Letras, rascunhos. Eu me lembro que eu peguei o violão, e fiz um Ré, depois um Sol e um Dó em cima de uma letra que eu tinha escrito, e comecei a fazer uma batida Folk. E saiu uma canção. No começo, meia esquisita. Mais depois foi saindo o som melhor, três notas, coisa tipo Punk. Eu me lembro que eu ouvi muito The Smiths, direto. Eu quis até formar uma banda por causa disso. Me influenciei muito nos Smiths... Um amigo do peito, Antonio Terra, me mostrou uma banda muito legal, era a Legião Urbana. Eu me apaixonei, amor à primeira vista. Eu fundei minha primeira banda Punk na Ilha do Governador, em 1988, assim eu me lembro. Era Punk mesmo, tínhamos oito canções. Tocávamos nas casas do amigos na Ilha do Governador, era estranho. O guitarrista da banda Tribuna, que era a banda que eu tinha fundado, andava de calça rasgada. Eu tinha minhas roupas, calça jeans, camisa branca e muita atitude, tínhamos canções com nomes de “Mundo Novo” e “Egoísmo Humano” entre outras. Eu ainda tive outra banda Punk (Império Vermelho) que durou, de 1989 até 1990, um ano certo.

Em 3 de novembro de 1993 eu fundei a banda Reforma Íntima, que tocou em vários lugares da Ilha do Governador e Rio de Janeiro.

Já teve um tempo na Ilha do Governador que o Punk era real. Mas como a Ilha do Governador tem vários lados diferentes, passa desapercebido. Temos muitas comunidades carentes, mas também temos bairros, como o Jardim Guanabara, onde o nível de vida é até melhor do que Ipanema, Leblon, etc... E isso faz uma grande diferença. Eu já morei no Jardim Guanabara, sei do que eu estou falando. Tenho amigos(as) de vários bairros da Ilha do Governador, amigos com várias posições sociais, de várias camadas. Eu sei do que eu estou falando.

Em 1996, teve o movimento comunitário para fundar a primeira rádio comunitária na Ilha do Governador, e eu entrei na Rádio Comunitária FM Ilha 92,1, criei o programa Canal Aberto, que abria espaço para bandas novas da Ilha do Governador e bairros vizinhos. Também falava de Câncer de Mama, doenças sexualmente transmissíveis... de arte, pintura, e do social. A Rádio Comunitária FM Ilha acabou em 2003.



FMZ_NOLINE: E como surgiu a ideia da Lona Cultural Renato Russo? Conte pra gente como nasceu o projeto e um pouco do processo até sua inauguração.

Marcelo: No final de 1998, eu estava na Praia da Bica, no Jardim Guanabara, com alguns amigos e eu já tinha uma ideia. Muitas pessoas na época achavam uma ideia esquisita, mas eu tinha essa ideia no meu coração. A Ilha do Governador, em 1998, não tinha mais Lona Cultura, a minha ideia era, se algum dia o projeto da Lona voltasse para a Ilha do Governador, que recebesse o nome do Renato Russo. Era um sonho, uma ideia, e eu falei com alguns amigos legionários e eles adoraram a ideia. Então, em 1999, eu comei a reunir pessoas simpatizantes, poetas, músicos, roqueiros, ONGs da Ilha do Governador... Fizemos reuniões. Quase um ano negociando, planejando. E em 12 de Dezembro de 2000, eu fundei oficialmente O Movimento Cultural prol Lona Renato Russo da Ilha do Governador. Nesse mesmo ano eu conhecia o Antonio do Quiosque Mar e Sol, na Praia da Bica. Conversamos muito, pois um Movimento Cultural precisa de um espaço para realizar seus eventos. E o Quiosque Mar e Sol virou a nossa base. E em 2000 fizemos o primeiro Rock Mar e Sol, na Praia da Bica. Foram três dias: Sexta, sábado e domingo. Vinte e uma bandas de Rock. Depois fizemos seis tributos em prol da futura lona cultural para o nosso bairro. Nos eventos pegávamos assinaturas, eu falava no microfone sobre a grande importância da Ilha do Governador ter uma lona cultural, etc... Em 2004 teve uma votação popular na Ilha do Governador para saber qual seria o melhor nome da futura Lona Cultural da Ilha do Governador, pois a Prefeitura do Rio de Janeiro já estava construindo a Lona no Aterro do Cocotá. A obra estava em andamento. Eu continuei com o meu movimento comunitário em prol da lona. Na votação de 2004 eu obtive 65% dos votos , para que a futura lona recebe-se o nome do Renato Russo. Em 2006 teve outra votação na Ilha do Governador. Vários artistas da Ilha do Governador votaram para que o nome da futura lona cultural fosse Renato Russo, com 74% dos votos.

Em 24 de Setembro de 2007, teve a inauguração da Lona Cultural Municipal Renato Russo da Ilha do Governador. Eu fiz um pedido para a Prefeitura do Rio na época: a criação de uma sala com o nome do Renato Russo. E que eu pudesse cuidar da sala. E foi criado a Sala Memória Iconográfica Renato Russo. Como eu sou fã, muito, eu já tinha várias coisas do Renato, fotos, posteres, quadros, revistas, jornais, O fã clube Todos Numa só Legião me deu a maior força na inauguração da Lona, me ajudaram em tudo que eu precisava pra sala ficar legal.


FMZ_NOLINE: E hoje, quais são os projetos e serviços oferecidos pela Lona Cultural Renato Russo à população da Ilha do Governador? E ainda, qual o impacto desses projetos na comunidade?

Marcelo: Bem, temos as nossas oficinas culturais. Que são aulas de violão infantil e adulto, modelo e manequim infantil, capoeira infantil e adulto, desenho infantil e adulto, inglês adolescente, dança infantil, teatro... 99% de nossos alunos são de comunidades carentes. A lona cultural Renato Russo fica á cinco minutos da Comunidade do Dendê. O impacto é: crianças mais felizes, fazendo cursos gratuitos, aprendendo, se integrando e aprendendo uma profissão, pois vários alunos nossos já saíram da Lona e estão fazendo teatro, dança, balé, pois se formaram na Lona e buscaram outros caminhos. Mas começaram na Lona, adquiriram experiência. Esse legado é eterno. Tratamos todos os nossos bem.


FMZ_NOLINE: São muitos projetos sendo realizados. Além de abrir espaço para artistas independentes a Lona ainda promove oficinas e diversos projetos culturais. Como é administrar tudo isso?

Marcelo: Nunca é fácil administrar um espaço cultural. Ainda mais do tamanho da Lona Cultural Renato Russo, que é a maior Lona Cultural da Rede do Município do Rio de Janeiro. É maior em espaço. Temos de ter paciência, calma, educação, profissionalismo, gostar do que se esta fazendo e organização. As oficinas, cada uma tem o seu horário certo e temos alunos que estão com a gente desde de 2007. Outros entraram agora, enfim. É normal manter isso pois as oficinas funcionam em grades e cada oficina tem o seu dia e seu horário certo.


FMZ_NOLINE: E qual a participação do Poder Público nisso tudo? O Estado dá suporte a esses projetos e à manutenção da Lona Cultural?

Marcelo: As lonas culturais e a Lona Cultural Renato Russo da Ilha do Governador pertencem a Prefeitura do Rio de Janeiro (SMC). E a Prefeitura ajuda com uma verba. E essa verba ajuda na manutenção do Espaço. E o administrador do espaço presta contas dessa verba para a própria Prefeitura do Rio. Temos notas fiscais até de um prego empregado na Lona Cultural Renato Russo...através da Prefeitura do Rio, entendeu?


FMZ_NOLINE: Há uma quantidade enorme de material a respeito da Lona Renato Russo na internet, principalmente no Youtube. Como, e com a colaboração de quais parceiros, esses materiais foram produzidos?

Marcelo: Bem, isso é minha culpa. Eu sou fanático por cinema. Adoro, amo. Então, na inauguração da lona, em 2007, eu pedi a alguns amigos para registrarem. Eu aprendi a gravar e postar no Youtube. E eu tive uma grande ideia: “vou criar um arquivo digital da lona cultural Renato Russo! Tudo que acontecer na lona, eu vou gravar e postar!” Então tinha um show, eu gravava. Tinha festa na Lona, eu gravava. Tinham peças infantis, eu gravava. Aulas das oficinas eu gravava e colocava no Youtube. Shows de bandas independentes, eu gravava. De repente, a Lona Cultural Renato Russo se tornou a Lona Cultural da Prefeitura do Rio com mais vídeos no Youtube! Só para registrar: hoje em dia existem 10 lonas culturais. A Lona Cultural Renato Russo é a décima lona a ser criada. E eu continuei a fazer isso: gravar e registar tudo. E agora temos um banco de dados que vai desde a inauguração em 24 de Setembro de 2007, até 2012. Não tem como não saber da existência da Lona Cultural Renato Russo, pois só em 2012 já tem vários vídeos no Youtube. É só escrever Lona Cultural Renato Russo. E pode fazer um texto: escreva lona cultural Renato Russo 2008, vai parecer. 2009, vai aparecer. 2010, vai aparecer. 2011 e 2012, vai aparecer. E por que eu fiz isso? 'Legado + Memória' para as futuras Gerações de artistas do meu bairro, a Ilha do Governador.



FMZ_NOLINE: Não poderíamos deixar de citar o personagem que dá nome à Lona! Como foi para reunir o acervo que hoje está exposto na sala Memória Iconográfica Renato Russo?

Marcelo: Eu já tinha 99% do material. Discos, revistas, jornais, posters, fitas k7, a ajuda de amigos e pronto: a sala estava arrumada... E algumas doações de amigos, fãs da Legião Urbana.


FMZ_NOLINE: Agora falando do seu lado músico! Como anda a banda Reforma? Quais as novidades?

Marcelo: A banda Reforma está em estúdio terminando o novo material, A Grande Reforma. Mas algumas canções já estamos colocando na Rede para a galera ouvir, pois os pedidos são muitos para que isso aconteça.


FMZ_NOLINE: Antes de encerrar gostaria de deixar aqui os parabéns do FMZ ao excelente trabalho realizado por você. Tive a oportunidade de ir apenas uma vez à Lona Cultural Renato Russo e achei incrível tudo o que vi aí. É importantíssimo que alguém ligado ao meio underground realize projetos como esse, e mais, que um lugar como a Lona Cultural aí da Ilha leve o nome de uma figura tão importante para o Rock em nosso país. Afinal, quando falamos de Rock, cena independente e tudo o mais, também (ou simplesmente) estamos falando de responsabilidade social, inclusão, educação e compromisso com o mundo que nos cerca. Parabéns! E pra finalizar: Qual o sentimento de, depois de tanto trabalho e luta, ver seu projeto de uma Lona Cultural na Ilha do Governador se tronar realidade e envolver tantas pessoas, entre músicos, artistas, comunidade local, enfim?

Marcelo: Uma vez me perguntaram isso, assim mesmo. Eu ganhei o Prêmio Mérito Ilha de Cultura em 2008, por causa da Lona e toda a luta. Eu só posso responder: muito obrigado. Realizar um sonho é muito bom, mas eu trabalho muito para manter esse sonho vivo. Que é o funcionamento da Lona. Todos os dias, de segunda a sexta feira, das dez da manhã até as vinte e uma horas da noite. Sextas, sábados e domingos temos shows, eventos, etc...

por: Rafael A.


fotos: Acervo Marcelo Mendes


Ducumentário Lona Cultural Renato Russo:


+ Links:

Saiba mais sobre a Lona Cultural Renato Russo.
Blog do músico e Produtor Cultural Marcleo Mendes.
Conheça o som da banda Reforma.
Mais sobre Marcelo Mendes.
Assista trecho do Rock in Ilha 3, na Lona Cultural Renato Russo.

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