por:
Adriano Dias
Por
volta das 21 horas recebi o primeiro, de muitos, telefonema de um
morador de Nova Iguaçu contando que “um monte de gente tinha sido
morta” e que era para não vir para o do bairro da Posse, pois os
vizinhos estavam ligando entre si avisando sobre o perigo. Os
programas jornalísticos da noite do dia 31 de março passaram a
noticiar que havia acontecido mais uma chacina na Baixada, um
sentimento de incapacidade me bateu forte quando vi Dom Luciano,
o Bispo de Nova Iguaçu, passar rapidamente em uma reportagem rezando
ao lado dos corpos. Mas somente percebi a proporção da tragédia no
dia seguinte quando voltei para a região.
Antes
de chegar, as seguidas ligações telefônicas relatavam um quadro
inimaginável, que ficou comprovado nas capas dos jornais - edições
especiais - expostas nas bancas. Posteriormente jornalistas relataram
que as redações, literalmente “pararam as máquinas”: aconteceu
a maior chacina da história do Estado do Rio de Janeiro.
A
desorientação diante do episódio era nítida na perplexidade de
parentes, vizinhos e das autoridades. Nos locais onde aconteceram as
mortes, a população externava o medo que se traduzia em
agressividade. A chacina alvejou também a possibilidade do exercício
da cidadania e da solidariedade. Entender, e talvez ajudar o próximo,
parecia ter se tornado um risco à vida, ou, ao menos esse parecia
ser o desenho do imaginário coletivo.
Nova
Iguaçu e Queimados tornaram-se o centro das notícias no mundo e as
ruas da Baixada aparecerem no noticiário da CNN, no site do
New York Times; nas agências Reuters e Associated
Press, no jornal canadense The Globe And Mail, no espanhol
El Pais, entre outros. Em um dos enterros, em Austin,
conversei com uma equipe da TV NHK, uma das mais importantes
emissoras do Japão. Não resta dúvida que a visibilidade contribuiu
para as primeiras prisões de suspeitos e anuncio por parte das
autoridades de políticas públicas para a população direta e
indiretamente atingida. Tal exposição, somente diminuiu com morte
do Papa, dias depois.
O
saldo desta repercussão parecia ser também a garantia de que
haveria justiça e que aqueles que perderam parentes e amigos teriam
todo o apoio necessário. Entretanto, nas semanas seguintes ao
episódio, representantes do poder público fizeram uma rápida
visita aos locais das mortes. Só que a principal prioridade parecia
ser demonstrar, através da mídia, uma grande “sensibilização”
política com o sofrimento dos familiares. Mas, passados os flashes,
faltou quem orientasse algumas daquelas pessoas para o encaminhamento
de questões práticas como acesso à justiça e apoio psicológico.
Diante
disto me dispus então a levá-las até onde pudessem ter apoio: o
Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, que
teve papel importantíssimo na acolhida destas vítimas; e que, na
época também sediava uma equipe da então Secretária Estadual
de Direitos Humanos.
A
iniciativa de levar alguns dos familiares, que continuavam perdidas
em sua dor, aos locais que pudessem obter auxílio, com a devida
discrição que a situação requeria, se repetiu algumas vezes. Em
vários momentos, por conta da desconfiança comum nessas
circunstâncias, contou-se com a ajuda do Padre Paulo da
Igreja da Posse, que posteriormente também foi assassinado.
Passada
a confusão dos primeiros dias e sob o olhar de vários movimentos
estas pessoas foram gradualmente conseguindo o apoio necessário por
parte do poder público. Logo depois, motivados pela dimensão da
tragédia, centenas de instituições e pessoas formaram o Fórum
Reage Baixada e celebram o “Dossiê contra a impunidade”, que
fez um diagnóstico da violência e elencou uma série de propostas.
No
episódio da “chacina da Baixada” ficou claro que alguns parentes
e amigos das vítimas, devido a suas condições socioeconômicas, do
desconhecimento dos seus direitos, de onde e como acessá-los,
veem-se imobilizados. Isto acontece quase sempre com os mais
necessitados. Por outro lado, externou a falta de políticas
sistêmicas para tratar integralmente àqueles que foram atingidos
pela violência.
A
perda do ente querido de forma violenta provoca diferentes reações
por parte de amigos e parentes. Alguns se isolam do convívio social,
outros vão a público e se tornam ativistas por justiça. Mas, em
quase todas as situações, desenvolvem graves problemas psicológicos
ou somatizam fisicamente em várias doenças.
Percebeu-se
também a tendência da própria comunidade em se afastar destes
amigos e familiares de vítimas da violência, não - somente - por
medo, ou insensibilidade, mas a maioria não sabe como lidar diante
desta situação em razão do difícil convívio com a constante
necessidade da exteriorização da dor e dos traumas destas pessoas.
Além disso, observa-se uma inclinação geral à banalização da
violência e a culpabilização das vítimas por parte da sociedade.
Que geralmente questionam a possível existência de vinculo da
vítima com atos ilegais ou fora dos padrões morais convencionais.
No
decorrer destes doze anos, contribui para a criação de programas de
apoio a vítimas das violências, mas, para além desses, aprendi a
importantíssima disposição de se colocar ao lado destas pessoas
nestes momentos. É imprescindível políticas para se tratar do
tema, mas extremamente relevante a sociedade – principalmente a
imprensa - tratar com mais sensibilidade as vítimas indiretas da
violência.
foto:
Adriano Dias
Adriano
Dias é fundador da ONG ComCausa - Cultura de Direitos
e ex subsecretário municipal de Prevenção da Violência de
Nova Iguaçu.
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