segunda-feira, 10 de abril de 2017

Entrevista :: Carlos Brunno


por: Rafael Almeida

Mais uma entrevista muito bacana de fazer! Explico: esse cara aí é uma das figuras mais importantes pra história de nosso Sarau Feira Moderna. E qual não foi a surpresa (e a alegria) deste que vos escreve, ao saber que um antigo projeto foi, em parte, responsável/incentivador do sarau promovido por nosso entrevistado (no qual já me apresentei, inclusive!)? Aliás, o underground tem desses coisas. Quase nunca se tem a real noção do quanto as pessoas com as quais cruzamos nos influenciam, ou são influenciadas por nós ou por algo que fazemos. Por exemplo, duvido muito que o Sr.Carlos Brunno tenha ideia do quanto seus projetos na escola onde leciona são importantes na vida de seus alunos (e pra todos nós que dedicamos um pouquinho de nossa vida, que seja, à arte).. Enfim, segue o papo com nosso poetamigo Carlos Brunno!


FMZ: Pra começar, fale um pouco de seu último livro, “O Nada Temperado Com Orégano”! Você já está na estrada há um bom tempo divulgando ele, como tem sido a repercussão?

Carlos Brunno: A recepção do livro tem sido boa, mas as vendas andam mais ou menos nesse contexto de crise (ele tem vendido menos que os dois anteriores “Foda-se! E outras palavras poéticas”, de 2014, e “Bebendo Beatles e Silêncios”, de 2013, porém já percebi que não é por uma questão de rejeição e sim de falta de dinheiro dos leitores mesmo – o mais recente é mais caro, foi um projeto mais ambicioso, mas, em breve, só que mais lentamente que os anteriores, ele paga o seu custo e parto pra outro).


FMZ: Entrando num universo do qual entendo muito pouco: o mundo editorial. Você já lançou diversos livros. Todos de forma independente? Como funciona essa relação entre autor e editora e, como faz para manter sua obra sempre sendo atualizada, lançando novos livros com regularidade?

Carlos Brunno: Todos os meus livros foram feitos de forma independente (mesmo os com editora, quem pagou o custo fui eu, logo é independente também; curto mais assim, pois a obra fica com uma cara mais do autor e, bem, se o mercado editorial não se interessa, foda-se, vamos no método ‘Ramones” – 1, 2, 3 e vamos fazer nossa arte custe o que custar). O mercado editorial no Brasil é complicado – o público leitor é pequeno, a maioria das editoras, como qualquer empresa, quer faturar com obras pasteurizadas de autoajuda, de autores já consagrados, etc, poucas dão voz a novos autores (quando dão, cobram um valor, tipo um seguro, pois as editoras não querem nem ousam cometer qualquer risco com autores ainda não reconhecidos; pra livros de poemas então nem se fala: as editoras, em sua maioria, execram tais obras por não serem ‘rentáveis’). Agora como faço para manter sua obra sempre sendo atualizada, lançando novos livros com certa regularidade: os primeiros busquei patrocínios mais um capital inicial meu, depois é pé na estrada, vender nem que seja de porta em porta até garantir que a equação débito/crédito esteja favorável para a publicação de uma nova edição ou uma nova obra; até hoje não obtive lucro, mas também não sofri prejuízo, tanto que ‘sonho com os pés no chão’: outro livro só sai quando o anterior já se pagou (por isso, por favor, amigos leitores, encomendem o “O Nada Temperado Com Orégano” pra que eu possa lançar algo novo rs).


FMZ: Seus livros tem versão digital? Como vê o formato e-book? Acha válido?

Carlos Brunno: Bem, meus livros ainda não têm formato digital, um pouco por preguiça, falta de oportunidade e tempo rs. Planejo ainda neste ano, pra comemorar o aniversário de 20 anos de meus primeiros livros “Fim do fim do mundo” (junho de 1997) e “Promessas desfeitas” (agosto de 1997), como ambos estão esgotados, lançá-los em versão digital para download gratuito. O formato e-book é de fácil acesso e cada vez mais válido, até porque, como aparelhos eletrônicos como celulares passaram a se tornar ‘amigos íntimos’ das pessoas e devido à correria do dia a dia, o livro em versão digital é mais dinâmico e pode conquistar um número de leitores maior para o escritor. Resumindo: considero o formato e-book super-válido, apoio e pretendo apoiar ainda mais, mas tenho muito apreço ainda pelo livro impresso; o mais-que-fodástico Ziraldo sempre dizia que a leitura tem algo de sexual – é preciso ficar íntimo, tocar, folhear, sentir – e essa visão dele para o formato impresso permanece comigo; sou um colecionador/leitor voraz de livros impressos, mas também não dispenso obras em pdf, etc, por mais louco que seja nosso tempo, há pelo menos uma horinha pra cada leitura (falei que ia resumir e não resumi nada rs).


FMZ: Voltando um pouco no tempo: como a poesia entrou na sua vida?

Carlos Brunno: A culpa foi das estrelas da constelação pública escolar rs. Sinceramente, apesar de ser leitor voraz desde pequeno, meus interesses iniciais eram desenhos, pinturas. Já tinha escrito algo no ensino fundamental, mas nada marcante, nada que eu me lembre e/ou valorize; até curtia ler um ‘poeminha’ ou outro, mas preferia livros de contos, de aventura, de mitologia, de ficção científica e gibis, principalmente gibis (era viciado em HQs; hoje pego anestesias líricas mais pesadas sem largar os vícios anteriores rs). Só no primeiro ano do ensino médio, no Colégio Estadual Theodorico Fonseca, em Valença/RJ, lá pelos anos 1994, a professora de Português Ieda, através de suas aulas (que incluíam suas leituras entusiasmadas para poemas clássicos como os sonetos de Camões, as quais eu adolescente ficava tentando descobrir que p... de significado místico e emocional tinha naquilo que fazia minha professora suspirar e se sensibilizar tanto), conseguiu despertar meu interesse pela poesia. Ela me incentivou a escrever; até me inscrevi com o poema “Não cantamos mais rock’n roll” no Concurso Intercolegial daquele ano (atenção, governantes de Valença, precisamos resgatar a tradição do Concurso Intercolegial de Artes no município; muito artista fodástico começou num evento desses!). O poema era todo rimadinho - tem uma versão dele em meu quarto livro “O último adeus (ou o primeiro pra sempre)”, de 2004 -, com as figuras de linguagem que a professora Ieda me ensinara (bastante anáfora, uma ou outra metáfora), tinha a mensagem meio desesperançada de que a geração adolescente se afogava em bebidas e gritos calados; no dia da apresentação, fui declamar de macacão rasgado, ‘um nerd querendo causar’ rs, e, bem, não classifiquei pra final, mas dei meu recado. Porém aquele Concurso Intercolegial marcou meu aprofundamento na poesia, pois um colega meu, o André Diniz, tinha escrito um poema muito mais fodástico que o meu e também não classificou – ficou em segundo um poema meia boca de um playboy com sobrenome conhecido na cidade (cidade pequena é assim, né?) em homenagem aos esportistas Ayrton Senna e Dener, que haviam falecido há pouco; fiquei p... da vida pelo poema do André não ter nem ido pra final, banquei o anjo vingador e disse pra mim mesmo: vou estudar poesia pra que a minha arte fique tão foda que eles vão ter que me engolir em concursos. Estudei por minha conta poesia da Grécia Antiga aos estilos mais contemporâneos, vendo o lado bom e ruim de cada estilo, mergulhei num relacionamento duradouro com a poesia (engraçado que comecei a me aprofundar por raiva e teimosia e, aos poucos, fui me apaixonando). Um tempo depois, aproximadamente um ano depois, ganhei Menção Honrosa num Concurso Nacional de Poesias da Biblioteca Euclides da Cunha, no Rio de Janeiro/RJ (a professora de Português Selma quem me indicou e me estimulou a concorrer). O tema era “Miséria e Fome: qual é a solução?” e concorri e fui premiado com o poema “Intervalo de Refeição”. Daí, sigo esse caminho louco e lírico e continuo, apesar dos momentos tortuosos, sigo em frente.


FMZ: Você é professor, e toca projetos muito legais com seus alunos, alguns premiados, inclusive. No mundo de hoje, como fazer pra despertar o interesse da garotada pra poesia, literatura, enfim?

Carlos Brunno: A resposta desta pergunta está indiretamente (ou diretamente?) ligada à anterior: o que faço é estimular a leitura, mostrar-me leitor também, assim como as minhas professoras de Português fizeram comigo. É mostrar que no texto não há só um punhado de palavras colocadas umas com as outras; há sentimento, lirismo, há muita arte ali e precisamos entrar naquele mundo estranho, torná-lo nosso, ler o outro até o outro ser parte de nós, sermos nós e o outro também, É cada vez mais difícil, no mundo atual, voltado para a falsa interação – a interação ensimesmada diante de uma tela de computador ou tablet ou celular convivendo com egos distanciados, todos socializando seus umbigos -, despertar esse interesse (um poeta disse uma vez que não há mais paredes com ouvidos, e sim ‘ouvidos com paredes’; o lance é o professor teimar, não deixar de lado o dever de mostrar a importância da leitura, estimular e mostrar o poder do leitor realmente interativo-inteiro (aquele que não apenas lê, mas questiona e faz releituras das obras que lê), lembrar do uso de outras ferramentas artísticas (mostrar grandes adaptações cinematográficas de obras literárias, apresentar/carregar livros sempre consigo que demonstrem de forma ainda mais concreta os lados mais fascinantes da leitura e releitura). Outro ponto é apresentar pro aluno-escritor sempre o porquê da escrita, a marca autoral, o eternizar-se (quando se constrói uma obra de arte sua você marca sua existência no tempo, se imortaliza) e para quem ele escreve (elogiar, acompanhar com críticas construtivas a trajetória de escrita do aluno, ver seus avanços e, se possível, estimulá-lo a sempre mostrar sua arte, seja enviando seus escritos a concursos literários que estimulem novos autores, seja formando um Clube do Livro escolar, seja organizando saraus escolares e na comunidade [observação: todos os exemplos que passo não são meramente ilustrativos – na escola onde leciono, organizamos saraus, temos o Clube do Livro, grupo teatral escolar, etc]).


FMZ: E o Sarau Solidões Coletivas, como surgiu a ideia de fazer?

Carlos Brunno: Bem, digamos que essa ideia estava em gestação há quase 20 anos rs Desde que lancei meu primeiro livro Fim do fim do mundo”, no (agora extinto) Casarão da Artes de Valença/RJ, em junho de 1997, por estímulo da Secretária Municipal de Cultura da época, a mais-que-fodástica Ana Vaz, a minha poesia ficou associada com outras manifestações artísticas – no caso daquele lançamento, a Secretária me apresentou o Grupo Teatral Arte-Ofício, dirigido pelo Allabah (não sei se o nome dele é escrito assim, me desculpe) e pelo Carlos Henrique Cassiano e eles interpretaram uma série de poemas de meu primeiro livro num espaço privilegiado por quadros e esculturas de artistas plásticos da região. Ali, percebi que a união de diversas manifestações artísticas no mesmo evento gerava resultados líricos fodásticos. Nos lançamentos seguintes de livros, passei a convidar músicos, bandas, o próprio Arte-Ofício (sempre, devo muito a eles pela colaboração lírica), artistas plásticos. No lançamento do meu quinto livro “Eu e Outras províncias” de 2008, a poetamiga e jornalista Katia Berkowicz me falou uma coisa que ficou na minha cabeça por muito tempo, ela disse que eu não podia ficar muito tempo sem lançar livros, pois a cidade precisava daquele movimento artístico, que o pessoal ficava aguardando o novo livro e, consequentemente, o novo evento. Desde 1997, já rodava por diversas cidades com meus livros, mas intensifiquei esses passeios líricos, e passei a participar ainda mais de mais eventos na minha cidade, tentando formar grupos, mas ainda de forma muito esporádica, até que, em 2011, a convite do artistativistamigo Giovanni Nogueira, participei com alguns artistamigos do evento “Arte Valença” com meu livro “Diários de Solidão” (2010) e realizamos um sarau que batizei de “Diários de Solidões Coletivas”, em homenagem ao nome do meu sexto livro. O nome ‘aconteceu’ naquele momento, mas, como houve apenas aquela apresentação e uma outra em Rio das Flores/RJ, o grupo ficou meio que adormecido. Retomamos o nome e o grupo em um evento no início de janeiro de 2012, em Cambota, região rural de Valença/RJ, numa espécie de preparação pra nossa apresentação no Narcose Rock Clube #2 – Edição Especial Praia do Rock 10 anos, no Bar, Restaurante e Pizzaria do Portuga, na Praia da Ponta do Francês, em Itaipuaçu, Maricá/RJ, em 20 de janeiro de 2012, evento para o qual fomos convidados por você, “tio” Rafael Almeida (ou seja, você é um dos padrinhos/estimuladores do sarau). Mas, mesmo assim, após as duas apresentações, a ideia adormeceu mais uma vez, pra ressuscitar no dia 21 de abril de 2012, por estímulo do retorno do Jornal Valença em Questão (a equipe do jornal queria uma estratégia diferente para o lançamento de cada edição, então nos convidou pra fazermos o sarau e nós topamos). A partir daí, o Sarau Solidões Coletivas se consolidou (tanto que sempre comemoramos o seu aniversário no dia 21 de abril, apesar dos eventos anteriores) e resiste até hoje, mesmo que se equilibrando louca e liricamente nos altos e baixos dos tempos.


FMZ: O evento já tem um bom tempo de atividades. E, imagino, que assim como no meio musical independente, seja bem difícil de manter um projeto assim rolando, não?

Carlos Brunno: E bota difícil nisso rs. Por ser uma proposta de arte coletiva e independente, o Sarau Solidões Coletivas resiste mais por teimosia e força de vontade dos envolvidos; tem momentos de intensa euforia, tem suas fases apáticas que parece que vai estagnar, às vezes tá todo mundo bem, outras vezes, surgem sementes de desunião, ora somos benquistos, ora boicotados, algumas vezes ignorados ou rejeitados, noutras tantas estimulados a continuar ou a retornar; como diz o mestre-poetamigo Gilson Gabriel, “o sarau tá sempre ressuscitando”. Somos um movimento de contracultura, que rima com loucura, doçura ou tortura dependendo do momento, temos nossos altos e baixos, mas jamais finalizados, marchamos liricamente gloriosos mesmo nas derrotas rs, mas há de se destacar: o sarau traz aquela sensação consoladora de resistência vitoriosa, mesmo nos dias mais tenebrosos, afinal, é um projeto coletivo contracultural que flerta com o underground e perdura há anos sem rabo preso com políticos, sobrevive essencialmente pelo desejo de mostrar arte coletiva e livre das amarras tradicionais que alguns membros da sociedade de cidades pequenas insistem em manter.


FMZ: Tenho feito essa pra todos os artistas com quem converso... Sobre o momento político pelo qual nosso país passa: onde a classe artística fica no meio disso tudo? E mais, como tem visto a galera, músicos, poetas e por aí vai, com relação a tudo que está acontecendo? Há, no seu entender (ou deve haver), posicionamento? Enfim... suas opiniões, por favor..rsrs!

Carlos Brunno: Cara, como artista, sempre fui meio ‘apolítico com tendências de esquerda’, por mais paradoxal que isso seja, mais propenso à anarquia, por minhas raízes líricas underground, mas atualmente vivemos uma espécie de ‘ditadura legal ultradireitista’ e, como dizia Chico Buarque, o artista deve estar onde o povo está, e os direitos e interesses populares estão mais à esquerda, por mais que tentem manipular para o sentido contrário. Digo que a classe artística precisa se posicionar mais à esquerda; apoiar essa nova ordem ultradireitista brasileira seria como praticar uma antiarte. Vejo nos círculos sociais e virtuais com os quais interajo, os artistamigos muito divididos e lembro e repito: considero que devemos nos posicionar mais à esquerda devido ao contexto, mas opondo-se às posições radicais, ou seja, independente de que direcionamento político você tome, que seja sem ultras e sem Ustras, por favor!


FMZ: Planos para o futuro: tem livro novo a caminho, o sarau continua rolando, o que vem pela frente?

Carlos Brunno: Tenho sempre milhões de livros e ideias a caminho rs, mas, como eu disse anteriormente, primeiro preciso divulgar mais “O Nada Temperado Com Orégano” pra depois pensar nos próximos (mas garanto que tenho o esboço de, pelo menos, uns 4 livros novos, mas sem previsão alguma pra serem lançados). O Sarau Solidões Coletivas continua – em março, realizamos nosso eterno ‘retorno’ em um evento próprio, estimulado pelo convite da Rose Almeida, do Restaurante Variedade & Sabor, e ainda participamos do I Encontro Holístico de Valença/RJ no Espaço Ganesha -; agora planejamos onde e como faremos o evento de aniversário oficial do Sarau (21 de abril) e seguiremos assim, com eventos mais constantes, menos esporádicos.


FMZ: Bom, é isso. Muitíssimo obrigado pelo papo! Recado final?

Carlos Brunno: Recado final de poeta é sempre um poema, rs, e, como nesse ano comemoro 20 anos do meu primeiro livro “Fim do fim do Mundo”, deixo um poema que faz parte desta minha primeira obra poética:

Quando

Quando criaste espinhos
Eu criei uma rosa
Quando criaste o desvio
Eu criei minha casa
Quando criaste a distância
Eu criei o atalho
Quando criaste a dúvida
Eu criei minha paz
E quando construíres o fim
Eu já terei construído o meu recomeço.

(poema do livro “Fim do fim do mundo” [1997], de Carlos Brunno Silva Barbosa)


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 foto: Latitude Zero Prod.

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