A
entrevista desta semana é especial! Ok, você talvez já tenha
conferido ela no xContrapondox, blog de nosso camarada e colaborador
Gilson Fox (parceiro das antigas, desde os tempos de fanzine Grosso
Calibre e banda Nova Conduta), mas não poderíamos dexar de postá-la
aqui. Na verdade, ela foi feita originalmente pelo Fox aqui para o
FMZ. Rolou uma 'premiere' no blog do Fox e, finalmente, aqui está
ela na versão online do FMZ!
Marcelo,
vocal da banda Las Calles (foto) é outro velho conhecido de nosso fanzine.
Desde os tempos de banda Solstício, da torca de correspondências,
fanzines e tudo o mais. Sendo assim, dá pra sacar que vem coisa
muito boa por aí, certo? Então vamos lá! Cena Hardcore,
impressões, bandas, música, cultura alternativa e uma das
entrevistas mais bacanas que rolaram por aqui em 2013! Se liga:
FMZ_ONLINE:
Para começarmos nosso bate papo gostaria de saber o que há por trás
da banda Las Calles. Em minha opinião quando se forma uma banda se
pensa primeiro no som que vai ser feito, as pessoas que podem formar
esse grupo, e as ideias que o sustentarão. Foi assim com vocês?
Vocês acreditam nesses três primeiros passos? Ou deixaram a coisa
fluir?
Marcelo:
Foi exatamente assim que aconteceu conosco. É bem difícil não
pensar que, se é para montar uma banda, que seja um tipo de som que
eu gosto. Porém, é importante ter em mente que, dentro de um estilo
musical, mesmo o Hardcore, que pressupõe acordes simples,
nada excessivamente técnico, seja possível colocar uma marca
pessoal. Essa foi uma decisão tomada ao mesmo tempo em que definimos
que seríamos uma banda de Hardcore. Acho que tão importante
quanto criar suas próprias músicas é dar a elas uma marca pessoal,
algo seu. E o Hardcore/Punk sem dúvidas permite isso. Acho
uma pena quando me deparo com uma banda que é uma cópia exata
daquela banda de Hardcore do momento, ou da moda. É um
desperdício de criatividade, de tempo... E de vida!
Quanto
às pessoas, acho que fluiu com certa facilidade, num momento que
mistura tédio e criatividade. Acho que essa combinação nos ajudou
a criar músicas que para nós ficaram muito boas.
FMZ_ONLINE:
Na verdade minha pergunta foi um pouco pretensiosa. Eu penso o mesmo
quanto a criar uma banda. Deve-se sempre pensar em desde o nome, as
pessoas, a proposta do som, letras e postura. Isso dá significado à
banda. Qualquer banda que você coloca pra tocar em um play,
pelas características dela você já a identifica. Quanto a letras,
no caso do Las Calles, percebe-se em suas letras que o "sangue
libertário" ainda corre em suas veias. Como isso se dá no dia
a dia de vocês? Existe um envolvimento fora dos palcos?
Marcelo:
Antes de qualquer coisa, devo dizer que Hardcore para mim,
sempre significou e sempre irá significar a ampliação e a
afirmação de uma consciência crítica. É o que hoje guia minhas
leituras, meus escritos, as bandas que ouço e etc.. O
Hardcore vive no momento um refluxo crítico ao que me parece,
com muitas bandas com um discurso bastante distante das origens
Hardcore/Punk. Numa análise dialética isso até faz sentido,
já que os anos 90 e começo dos 2000 foi um período em que o
Hardcore era bastante engajado.
Como
sou eu quem escreve as letras, posso apenas falar por mim, porém é
claro que, ao formar uma banda, você tenta reunir ao seu redor
pessoas que de algum modo, compartilhem da sua visão de mundo. Com o
Las Calles não é diferente, embora a gente discorde em
vários aspectos.
Quanto
à política fora da banda, creio que cada um tente levar a vida da
maneira mais ética possível, seja em seu ambiente de trabalho ou no
trato com a família. No meu caso, por ser professor da rede pública,
isso fica mais latente, e as oportunidades de semear a crítica são
mais numerosas. E como fora dos palcos encontramos a vida real, acho
impossível não estar engajado politicamente na transformação das
coisas. A política vai muito além do envolvimento em grupos
organizados. A política é o cotidiano, as relações sociais que
criamos sem perceber, as trocas simbólicas e as relações
econômicas que se criam no dia a dia. Esse é o local da
intervenção. Não podemos separar a vida da política ou
vice-versa.
FMZ_ONLINE:
Quanto a visão critica, acredito que esse refluxo já era de se
esperar, levando em conta que quando se fala de mudanças na cena a
esperança é um "urubu pintado de verde", mas a gente
nunca desiste. Agora, me diz uma coisa. Para nós que já apostamos
em alguns projetos diferentes como fanzines, palestras, troca de
cartas e inúmeras vezes horas perdidas em discussões bem
interessantes em eventos com a galera, o que ainda uma banda pode
oferecer a uma geração futura? Já que a geração passada,
musicalmente, nos deixou um legado inesquecível.
Marcelo:
Uma banda, quando tem como propósito (e esse pode mudar entre
cada integrante da banda) fazer música dentro do que se considera o
Punk/Hardcore, em minha opinião tem duas funções
principais:
1-
Reafirmar para aquele que a faz as suas escolhas contraculturais (o
inconformismo, a rebeldia, a crítica, etc.)
2-
Levar a outras pessoas a ética e a estética que são a espinha
dorsal dessa contracultura. Creio que essa essência, pouco ou nada
mudou nesses 25 anos em que estou envolvido com o Punk/Hardcore.
Claro, como conversamos, parece que vivemos em um momento de refluxo
das consciências críticas, embora isso não signifique de maneira
alguma que a rebeldia tenha morrido ou perdido completamente o
espaço. Ótimas bandas continuam se recusando a seguir e esse
discurso alienado e alienante tão comum no Hardcore atual.
Sempre que eu tenho o prazer de descobrir uma banda que mantém as
sua essência e a sua alma dentro da ideia de que o Hardcore é
a trilha sonora de um conflito social, sinto que esses 25 anos não
foram em vão.
FMZ_ONLINE:
E quanto a cena? Nós sempre tivemos altos e baixos, épocas de boas
bandas, bons shows, e o pessoal bem integrado. Mas tem épocas que
tudo parece definhar. Um show aqui, outro ali, o pessoal das bandas
some e de repente alguém aparece fazendo alguma coisa e logo volta
todo mundo. Existiria uma forma de manter o equilíbrio ou essa
gangorra de certa forma acaba ajudando o cenário? Aproveitando a
deixa; sempre existiu também os que defendem existir uma cena
Punk/Hardcore, (mesmo que capenga) no Rio de Janeiro e os que
vez por outra insistem em dizer que não. O que vocês acham?
Marcelo:
É interessante como dá pra sentir essas mudanças em espaços de
tempo cada vez menores. Bandas acabam e outras surgem, pessoas se
afastam, outras colam, outras retornam após um bom tempo longe. É a
vida, nada mais. Acho que essa "gangorra" pode ser
positiva, pois garante uma renovação, fato que é super saudável.
Quanto
a cena: para mim existe sim uma cena. Formada por pessoas que
organizam os shows, que assistem aos shows, que escrevem em blogs
e zines, que têm bandas, que fotografam e escrevem os shows e
etc.. Uma cena para mim é essa comunidade, onde o ponto que
mantém tudo junto é a opção por se expressar através da estética
Hardcore/Punk. Pode não haver a união que gostaríamos,
poderia haver menos egocentrismo e competição. Mas também poderia
ser bem pior. Temos hoje, no estado do Rio de Janeiro, shows
acontecendo todo fim de semana, diversas bandas com muito boa
qualidade, blogs, grupos ligados a alguma atividade política
surgindo e/ou se fortalecendo (libertação animal, anarquismo,
ambientalismo, questão de gênero e etc.). Isso tudo me mostra que a
cena Hardcore no nosso estado vive um momento de retomada dos
valores que sempre definiram o que é Hardcore.
FMZ_ONLINE:
E quanto a essa "estética Hardcore/Punk"? Durante
um tempo, eu resolvi fazer uns estudos sobre o assunto. Se
percebemos, quando se fala sobre a cena Hardcore, melhor
dizendo, sobre contracultura, não há algo concreto a se dizer se
não traçar um histórico de acontecimentos. Certa vez encontrei uma
monografia na internet de quase 15 ou 20 páginas bem interessantes
sobre contracultura e percebi justamente isso, foram muitas datas,
acontecimentos, relatos, resenhas de livros, CD's e filmes;
mas nunca uma explicação plausível. Um exemplo hoje, é o que
acontece também ao explicar sobre qual o som que uma determinada
banda faz, como o próprio Hardcore. Para defini-lo melhor,
você tem quase que dar como exemplo algumas bandas que se aproxime
do mesmo som que ela para que as pessoas possam entender. Se pegarmos
algumas pessoas e perguntar, o que é Hardcore, ou o que é
Punk. A maioria vai limitar-se em dizer que é um estilo de
vida, ou uma liberdade de expressão. O que você diria?
Marcelo:
Parece que essa coisa de o que é Punk ou Hardcore é
algo mais para ser sentido do que explicado. Embora claro, haja uma
explicação "científica". Mas ela pouco importa. É como
estar apaixonado, ou com raiva. Quem passa por isso não quer uma
explicação racional, quer apenas resolver a situação, saciar a
necessidade ou aproveitar o momento (celebrar). O Hardcore é
um pouco disso tudo: paixão, raiva, frustração e celebração,
tudo misturado! Talvez por isso nunca me interessei pelas bandas de
Hardcore que fazem letras românticas, pois fica faltando a
raiva, que pra mim é um dos pilares do Hardcore. Acho sim que
o Punk/Hardcore é um estilo de vida, já que ele molda, em
muitos casos a sua percepção crítica do mundo que o cerca, e
permite (ou deveria permitir) ter acesso a mais informações que
reforcem essa percepção crítica. Mas é bom deixar claro: estou
aqui citando as bandas que têm um discurso crítico, pois são essas
que me interessam e me encantam. E para minha sorte, ainda há ótimas
bandas brasileiras e estrangeiras com essa característica.
FMZ_ONLINE:
Suas colocações sobre assunto são interessantes. Traz outro
prisma. Lendo algumas resenhas no seu blog, (Batalha após Batalha) percebi algumas colocações interessantes, que vez por
outra, encontro também nos documentários sobre a cena, seria sobre
o lado positivo e negativo que algumas posturas podem trazer, por
exemplo, vertentes mais agressivas como o BeatDown e mais
filosóficas como o Straight Edge. O que podemos considerar de
uma forma geral, pontos positivos e negativos e o que na sua posição
pode ser mudado?
Marcelo:
Cara, eu não simplificaria tanto a questão a esse ponto:
Beatdown = agressivo = negativo e Straight Edge =
filosófico = positivo. Muito provavelmente há pessoas e bandas
mergulhadas nessa vertente Beatdown que possuem uma
consciência crítica que guia suas práticas cotidianas. Assim como
nem todos os envolvidos no SxE estão nessa por uma escolha
intelectual. Há muito de emocional (irracional?) nas nossas
escolhas. E muitas vezes o pensamento sectário, que aparece com
certa frequência no Straight Edge pode ser tão negativo
quanto a postura proto-fascista tão comum ao Beatdown,
já não une, e se não une, enfraquece. Não sei se tenho grandes
expectativas em relação ao Hardcore. Talvez eu esteja me
entregando a certo pessimismo em relação a cena. O Hardcore
é apenas um microcosmo, um reflexo em menor escala do mundo real,
com suas centenas de contradições. Sem dúvida eu adoraria ver uma
cena Hardcore livre do Machismo, Homofobia e Especismo, mais
crítica e verdadeiramente solidária. Mas estes são tempos duros
para os sonhos. Apesar de tudo, tento acreditar no melhor. É como
diz uma letra do Las Calles:
"O novo dia traz novas chances".
FMZ_ONLINE:
Não foi minha ideia simplificar. Mas que olhando a grosso modo, e
levando em conta que as próprias bandas fazem questão de
transparecer essa visão negativa, isso é fato. Em uma conversa
informal com um amigo ele citou, como muitos que deixaram a cena já
o fez, toda o lado negativo que existe na cena Punk/Hardcore.
Dizendo inclusive não ter esperança e por isso não pensa em se
envolver mais. Assim fiz a seguinte colocação: “Eu gosto, eu
vivo, eu faço parte. Não gosto da posição de 'idiota da
objetividade' fazendo todas as críticas possíveis com medo de
assumir uma posição.” Agora voltando às perguntas em si, para
que possamos começar a finalizar esse bate papo, me diga o que você
vê pro futuro da banda. (?)
Marcelo:
Para o futuro só posso esperar alcançar o máximo de pessoas com
nossa música, mantendo a integridade e o respeito próprio. Porém,
mais do que esperar coisas boas para a banda, espero que a cena
Hardcore do estado do Rio de Janeiro cresça em número e
qualidade. O momento atual tem me mostrado boas bandas surgindo e
fazendo um trabalho íntegro. Isso é animador. Que continue assim e
se amplie o círculo virtuoso do Hardcore como uma ferramenta
contracultural. E que os discursos proto-fascistas e sectários
percam logo a vitalidade e morram.
FMZ_ONLINE:
Bom, como sempre fazem nas entrevistas por aí, eu iria sugerir nesse
bate papo que fechássemos com uma mensagem pra galera. Mas acredito
que já o fizemos. Então, nos deixe algumas boas indicações. Uma
banda fora do circuito Punk/Hardcore com bons conceitos, um
bom livro de cabeceira e um documentário indispensável.
Marcelo:
Acho que as únicas mensagens que cabem a mim deixar aqui, são
justamente aquelas que me trouxeram ao Hardcore: Seja crítico.
Vá além da aparência das coisas. Estude! Se informe! Seja ético.
Quanto às dicas, posso recomendar:
Livros:
"Dias
de guerra, noites de amor" - Crimethink
"Por
uma outra globalização" - Milton Santos
"Admirável
mundo novo" - Aldous Huxley
Documentários/filmes:
"Terráqueos"
"Comida
S/A"
"1984"
Jornais/revistas:
Bandas:
New
Model Army (link)
Billy
Bragg (link)
por:
Gilson Fox
Conheça
a banda Las Calles no
link.
E
confira o clipe da música “Batalha
Após Batalha”:
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