E
não é que um dia após a morte do camarada Fernando
Albino, da banda carioca Gambrinus 74, postagens no
Facebook lembram este que vos escreve que, há cinquenta e um
anos atrás, nascia Redson, eterno líder da banda Cólera
e, sem dúvidas, uma das figuras mais importantes do underground
brasileiro (se não a mais importante) de todos os tempos? Redson
faleceu em 2011. E, conforme escreveu, o ex banda Jason e
escritor, Leonardo Panço: “...com a morte de Redson, se
encerra um ciclo no underground nacional...” De fato. E não há
como não sentir vontade de escrever a respeito do 'cara do Cólera'!
Ao
menos pra este que vos escreve, o primeiro contato se deu em meados
dos anos noventa. Em alguma madrugada, assistindo o Demo Clip
da MTV (não lembro ao certo se era um programa, mas a vinheta
do tal Demo Clip entrava sempre antes dos clipes independentes
e tal...). Ainda dando os primeiros passos no underground, já
havia esbarrado com o Cólera em zines trocados com
correspondentes, na revista Rock Press, ouvido uma ou outra
música... Mas considero esse como primeiro contato pra valer. A
música, “Humanidade”. Clipe super simples, imagens de VHS
e cenas da banda no palco. Como todo viciado em música, saí que nem
louco atrás do CD 'daquela' banda... Fui achar na saudosa
Rock Revenge, loja frequentada por bangers no Centro de
Niterói (mal sabia que anos depois iria trabalhar no mesmo local, já
como loja Roque`s e voltada para o universo do Sk8 e
do Hardcore)! Caos Mental Geral era o nome do álbum.
Não tinha a tal música do clipe (foi lançada como bônus na
versão em CD do clássico disco Pela Paz Em Todo o Mundo,
mas eu não fazia a menor ideia disso...).
Caos
Mental Geral se tornou meu disco de cabeceira por um bom tempo!
Devidamente gravado em k7, passeou comigo, no walkman,
por muitas e muitas madrugadas pelos cantos mais diversos e absurdos
do Rio, Niterói e São Gonçalo! De show em show, de abr em bar, de cerveja em cerveja... Desde a primeira audição, surgiu
a vontade incontrolável de conferir aquilo ao vivo! Tempos depois,
creio que no ano de 2000 (um ou dois anos antes, talvez...), passando
pela saudosa Fire Rock (outra loja voltada para o público
roqueiro de Niterói) era, literalmente, pego por um cartaz que dava
conta do show da lendária banda inglesa UK Subs na Fundição
Progresso, na Lapa. Já munido de informações sobre o cenário
Punk e sua história, sabia do que se tratava. E entre as
bandas de abertura, estava o Cólera! Não tinha como
perder...
No
dia do show, chegamos cedo (Sr. Rodolfo Caravana, colunista e
produtor do FMZ impresso junto comigo até hoje, e Eu). Sem
nunca ter notado a fuça de nenhum dos caras, apenas com os sons na
cabeça, tomei um susto quando um cara com calça militar, coturnos e empunhando
uma guitarra vermelha de espelho branco se apresentou: “Boa
noite. Somos uma banda iniciante, temos só vinte anos de estrada.
Vamos abrir o show... Nós somos o Cólera!!!!!”
Ninguém imaginava que justo eles seriam os primeiros a tocar! Povo
correndo pra frente do palco! Pogo, gritos, refrões
marcantes, energia! Mal sabia, mas estava diante de uma das melhores
bandas de palco que assisti na vida!
Com
o passar do tempo, a obra do Cólera tomou uma proporção
muito maior na minha vida. Hoje, tenho certeza que as letras de
Redson e seu discurso foram fundamentais para o cidadão que
me tornei. Vai muito além dos ótimos riffs e refrões
marcantes. Tem haver com um determinado momento da vida no qual
procuramos um lugar pra gente no mundo, sentimos, dia após dia, nossa
capacidade sendo posta em dúvida pelo Estado, pela sociedade e pela
mídia de massa. E disso Redson entendia. E como... Sabia
colocar a frase certa, a palavra correta bem na hora que o refrão
explode, quando o grito sai da garganta e toma conta não só daquele
momento na roda de pogo, mas da sua noite, da sua semana, do
dia a dia e, inevitavelmente, de sua vida.
Foram
vários shows do Cólera, muitos! Todos absurdos! Intensos! O
magnetismo era assustador. Capaz de fazer você, por um momento,
esquecer de tudo 'no mundo lá fora' e gritar, simplesmente gritar e
agitar feito criança, sem cansar, sem sentir dor, só soltar o
grito. De todas as apresentações de Redson e sua banda que
pude conferir, não tem como não destacar o dia que o FMZ
teve a honra de entrevistar o líder da banda Cólera: cerca
de trinta e poucas pessoas presenciaram o que pode ser classificado
como um verdadeiro massacre em Itaboraí, na Região Metropolitana do
Rio (lá pelos idos de 2003, acho). Entre descer do palco, guardar o
equipo na Kombi e sair correndo de volta pra São Paulo, Redson
deu a melhor e mais importante entrevista que esse fanzine já
fez....
A
noção do cara a respeito do cenário independente, mercado
fonográfico, a importância da cena Punk para o underground
nacional, o porquê da banda nunca ter cedido aos convites de
gravadoras e ter se mantido independente, enfim. Redson deu
uma aula. A aula que um, na época, fedelho metido a cascudo (este
que vos escreve), precisava (e algumas figuras do 'róqui' de
hoje talvez precisem, mas vai saber...). Lições bem assimiladas...
muito obrigado! Aliás, ainda sobre o show em Itaboraí: Eu NUNCA
vi uma banda com tanta 'fome de bola'! A certa altura, não havia
mais set list, e o público escolhia as músicas a serem
executadas! E tome clássico, lados b e até uma versão de “Até
Quando Esperar” da Plebe com participação do cara da
lendária banda Tubarões Voadores, organizador do evento!
O
Cólera se firmou como, seguramente, um dos três nomes mais
importantes do Punk Rock brasileiro. Na minha lista, vem
seguida de RDP e Olho Seco. Mas Redson foi além,
não só pelo citado discurso, por falar de temas como o meio
ambiente muito antes de virar moda, pacifismo, juventude, angústias,
política, enfim. Cólera é Cólera! Nas palavras de
Alexandre Bolinho, da banda carioca Kopos Sujus: “...
eles são o nosso Clash!!!” Aliás, ouvi essa frase do próprio
no dia mais emocionante que vivi em cima de um palco em toda a minha
vida. ..
Poucos
meses após a morte de Redson, nossa amiga Deise Santos
promoveu, assim como rolou em São Paulo, um tributo ao Redson
onde músicos da cena carioca dividiram o palco com Val e
Pierre, os dois membro remanescentes da banda. Minha
participação foi em “Quanto Vale a Liberdade”, ao lado
dos dois membros do Cólera e Felipe Chehuam, da banda
Confronto no vocal. Dividir o palco com o Cólera, com
a guitarra do Redson atrás de você, olhar pro lado e dar de
cara com duas lendas vivas do Punk nacional, enfim... Nos
cerca de dois minutos da música, toda a história que contei aí em
cima passou pela minha cabeça. Da madrugada no quarto vendo MTV,
a ida à Rock Revenge, o cartaz do UK Subs na Fire
Rock, a entrevista em Itaboraí. Ufa... Difícil até de traduzir
em palavras...
Redson
completaria, hoje, cinquenta e um anos, foi o grande responsável
pela difusão do Punk brasileiro na Europa. Não bastasse ter
sido o Cólera (ao que me
consta) a primeira banda Punk brasileira a excursionar pelo
Velho Continente, abriu caminho para que anos depois outras fizessem
o mesmo percurso. Foi um dos organizadores do disco SUB, um
dos mais clássicos do Punk latino americano, montou selo,
lançou bandas, tocou, gritou, protestou usando a arma que nós do
underground mais prezamos: nossa música, nossa arte. Mais uma
vez: um grito NUNCA é em vão.
Rafael
A.
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