segunda-feira, 15 de julho de 2013

Um grito NUNCA é em vão!



E não é que um dia após a morte do camarada Fernando Albino, da banda carioca Gambrinus 74, postagens no Facebook lembram este que vos escreve que, há cinquenta e um anos atrás, nascia Redson, eterno líder da banda Cólera e, sem dúvidas, uma das figuras mais importantes do underground brasileiro (se não a mais importante) de todos os tempos? Redson faleceu em 2011. E, conforme escreveu, o ex banda Jason e escritor, Leonardo Panço: “...com a morte de Redson, se encerra um ciclo no underground nacional...” De fato. E não há como não sentir vontade de escrever a respeito do 'cara do Cólera'!

Ao menos pra este que vos escreve, o primeiro contato se deu em meados dos anos noventa. Em alguma madrugada, assistindo o Demo Clip da MTV (não lembro ao certo se era um programa, mas a vinheta do tal Demo Clip entrava sempre antes dos clipes independentes e tal...). Ainda dando os primeiros passos no underground, já havia esbarrado com o Cólera em zines trocados com correspondentes, na revista Rock Press, ouvido uma ou outra música... Mas considero esse como primeiro contato pra valer. A música, “Humanidade”. Clipe super simples, imagens de VHS e cenas da banda no palco. Como todo viciado em música, saí que nem louco atrás do CD 'daquela' banda... Fui achar na saudosa Rock Revenge, loja frequentada por bangers no Centro de Niterói (mal sabia que anos depois iria trabalhar no mesmo local, já como loja Roque`s e voltada para o universo do Sk8 e do Hardcore)! Caos Mental Geral era o nome do álbum. Não tinha a tal música do clipe (foi  lançada como bônus na versão em CD do clássico disco Pela Paz Em Todo o Mundo, mas eu não fazia a menor ideia disso...).

Caos Mental Geral se tornou meu disco de cabeceira por um bom tempo! Devidamente gravado em k7, passeou comigo, no walkman, por muitas e muitas madrugadas pelos cantos mais diversos e absurdos do Rio, Niterói e São Gonçalo! De show em show, de abr em bar, de cerveja em cerveja... Desde a primeira audição, surgiu a vontade incontrolável de conferir aquilo ao vivo! Tempos depois, creio que no ano de 2000 (um ou dois anos antes, talvez...), passando pela saudosa Fire Rock (outra loja voltada para o público roqueiro de Niterói) era, literalmente, pego por um cartaz que dava conta do show da lendária banda inglesa UK Subs na Fundição Progresso, na Lapa. Já munido de informações sobre o cenário Punk e sua história, sabia do que se tratava. E entre as bandas de abertura, estava o Cólera! Não tinha como perder...

No dia do show, chegamos cedo (Sr. Rodolfo Caravana, colunista e produtor do FMZ impresso junto comigo até hoje, e Eu). Sem nunca ter notado a fuça de nenhum dos caras, apenas com os sons na cabeça, tomei um susto quando um cara com calça militar, coturnos e  empunhando uma guitarra vermelha de espelho branco se apresentou: “Boa noite. Somos uma banda iniciante, temos só vinte anos de estrada. Vamos abrir o show... Nós somos o Cólera!!!!!” Ninguém imaginava que justo eles seriam os primeiros a tocar! Povo correndo pra frente do palco! Pogo, gritos, refrões marcantes, energia! Mal sabia, mas estava diante de uma das melhores bandas de palco que assisti na vida!

Com o passar do tempo, a obra do Cólera tomou uma proporção muito maior na minha vida. Hoje, tenho certeza que as letras de Redson e seu discurso foram fundamentais para o cidadão que me tornei. Vai muito além dos ótimos riffs e refrões marcantes. Tem haver com um determinado momento da vida no qual procuramos um lugar pra gente no mundo, sentimos, dia após dia, nossa capacidade sendo posta em dúvida pelo Estado, pela sociedade e pela mídia de massa. E disso Redson entendia. E como... Sabia colocar a frase certa, a palavra correta bem na hora que o refrão explode, quando o grito sai da garganta e toma conta não só daquele momento na roda de pogo, mas da sua noite, da sua semana, do dia a dia e, inevitavelmente, de sua vida.

Foram vários shows do Cólera, muitos! Todos absurdos! Intensos! O magnetismo era assustador. Capaz de fazer você, por um momento, esquecer de tudo 'no mundo lá fora' e gritar, simplesmente gritar e agitar feito criança, sem cansar, sem sentir dor, só soltar o grito. De todas as apresentações de Redson e sua banda que pude conferir, não tem como não destacar o dia que o FMZ teve a honra de entrevistar o líder da banda Cólera: cerca de trinta e poucas pessoas presenciaram o que pode ser classificado como um verdadeiro massacre em Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio (lá pelos idos de 2003, acho). Entre descer do palco, guardar o equipo na Kombi e sair correndo de volta pra São Paulo, Redson deu a melhor e mais importante entrevista que esse fanzine já fez....

A noção do cara a respeito do cenário independente, mercado fonográfico, a importância da cena Punk para o underground nacional, o porquê da banda nunca ter cedido aos convites de gravadoras e ter se mantido independente, enfim. Redson deu uma aula. A aula que um, na época, fedelho metido a cascudo (este que vos escreve), precisava (e algumas figuras do 'róqui' de hoje talvez precisem, mas vai saber...). Lições bem assimiladas... muito obrigado! Aliás, ainda sobre o show em Itaboraí: Eu NUNCA vi uma banda com tanta 'fome de bola'! A certa altura, não havia mais set list, e o público escolhia as músicas a serem executadas! E tome clássico, lados b e até uma versão de “Até Quando Esperar” da Plebe com participação do cara da lendária banda Tubarões Voadores, organizador do evento!

O Cólera se firmou como, seguramente, um dos três nomes mais importantes do Punk Rock brasileiro. Na minha lista, vem seguida de RDP e Olho Seco. Mas Redson foi além, não só pelo citado discurso, por falar de temas como o meio ambiente muito antes de virar moda, pacifismo, juventude, angústias, política, enfim. Cólera é Cólera! Nas palavras de Alexandre Bolinho, da banda carioca Kopos Sujus: “... eles são o nosso Clash!!!” Aliás, ouvi essa frase do próprio no dia mais emocionante que vivi em cima de um palco em toda a minha vida. ..

Poucos meses após a morte de Redson, nossa amiga Deise Santos promoveu, assim como rolou em São Paulo, um tributo ao Redson onde músicos da cena carioca dividiram o palco com Val e Pierre, os dois membro remanescentes da banda. Minha participação foi em “Quanto Vale a Liberdade”, ao lado dos dois membros do Cólera e Felipe Chehuam, da banda Confronto no vocal. Dividir o palco com o Cólera, com a guitarra do Redson atrás de você, olhar pro lado e dar de cara com duas lendas vivas do Punk nacional, enfim... Nos cerca de dois minutos da música, toda a história que contei aí em cima passou pela minha cabeça. Da madrugada no quarto vendo MTV, a ida à Rock Revenge, o cartaz do UK Subs na Fire Rock, a entrevista em Itaboraí. Ufa... Difícil até de traduzir em palavras...

Redson completaria, hoje, cinquenta e um anos, foi o grande responsável pela difusão do Punk brasileiro na Europa. Não bastasse ter sido o Cólera (ao que me consta) a primeira banda Punk brasileira a excursionar pelo Velho Continente, abriu caminho para que anos depois outras fizessem o mesmo percurso. Foi um dos organizadores do disco SUB, um dos mais clássicos do Punk latino americano, montou selo, lançou bandas, tocou, gritou, protestou usando a arma que nós do underground mais prezamos: nossa música, nossa arte. Mais uma vez: um grito NUNCA é em vão.

Rafael A.




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