por:
Rafael Almeida
Mais
uma entrevista muito bacana de fazer! Explico: esse cara aí é uma
das figuras mais importantes pra história de nosso Sarau Feira
Moderna. E qual não foi a surpresa (e a alegria) deste que vos
escreve, ao saber que um antigo projeto foi, em parte,
responsável/incentivador do sarau promovido por nosso entrevistado
(no qual já me apresentei, inclusive!)? Aliás, o underground
tem desses coisas. Quase nunca se tem a real noção do quanto as
pessoas com as quais cruzamos nos influenciam, ou são influenciadas
por nós ou por algo que fazemos. Por exemplo, duvido muito que o
Sr.Carlos Brunno tenha ideia do quanto seus projetos na escola onde
leciona são importantes na vida de seus alunos (e pra todos nós que
dedicamos um pouquinho de nossa vida, que seja, à
arte).. Enfim, segue o papo com nosso poetamigo Carlos Brunno!
FMZ:
Pra começar, fale um pouco de seu último livro, “O Nada
Temperado Com Orégano”! Você já está na estrada há um bom
tempo divulgando ele, como tem sido a repercussão?
Carlos
Brunno: A recepção do livro tem sido boa, mas as vendas andam
mais ou menos nesse contexto de crise (ele tem vendido menos que os
dois anteriores “Foda-se! E outras palavras poéticas”, de
2014, e “Bebendo Beatles e Silêncios”, de 2013, porém já
percebi que não é por uma questão de rejeição e sim de falta de
dinheiro dos leitores mesmo – o mais recente é mais caro, foi um
projeto mais ambicioso, mas, em breve, só que mais lentamente que os
anteriores, ele paga o seu custo e parto pra outro).
FMZ:
Entrando num universo do qual entendo muito pouco: o mundo editorial.
Você já lançou diversos livros. Todos de forma independente? Como
funciona essa relação entre autor e editora e, como faz para manter
sua obra sempre sendo atualizada, lançando novos livros com
regularidade?
Carlos
Brunno: Todos os meus livros foram feitos de forma independente
(mesmo os com editora, quem pagou o custo fui eu, logo é
independente também; curto mais assim, pois a obra fica com uma cara
mais do autor e, bem, se o mercado editorial não se interessa,
foda-se, vamos no método ‘Ramones” – 1, 2, 3 e vamos fazer
nossa arte custe o que custar). O mercado editorial no Brasil é
complicado – o público leitor é pequeno, a maioria das editoras,
como qualquer empresa, quer faturar com obras pasteurizadas de
autoajuda, de autores já consagrados, etc, poucas dão voz a
novos autores (quando dão, cobram um valor, tipo um seguro, pois as
editoras não querem nem ousam cometer qualquer risco com autores
ainda não reconhecidos; pra livros de poemas então nem se fala: as
editoras, em sua maioria, execram tais obras por não serem
‘rentáveis’). Agora como faço para manter sua obra sempre sendo
atualizada, lançando novos livros com certa regularidade: os
primeiros busquei patrocínios mais um capital inicial meu, depois é
pé na estrada, vender nem que seja de porta em porta até garantir
que a equação débito/crédito esteja favorável para a publicação
de uma nova edição ou uma nova obra; até hoje não obtive lucro,
mas também não sofri prejuízo, tanto que ‘sonho com os pés no
chão’: outro livro só sai quando o anterior já se pagou (por
isso, por favor, amigos leitores, encomendem o “O Nada Temperado
Com Orégano” pra que eu possa lançar algo novo rs).
FMZ:
Seus livros tem versão digital? Como vê o formato e-book?
Acha válido?
Carlos
Brunno: Bem, meus livros ainda não têm formato digital, um
pouco por preguiça, falta de oportunidade e tempo rs. Planejo
ainda neste ano, pra comemorar o aniversário de 20 anos de meus
primeiros livros “Fim do fim do mundo” (junho de 1997) e
“Promessas desfeitas” (agosto de 1997), como ambos estão
esgotados, lançá-los em versão digital para download
gratuito. O formato e-book é de fácil acesso e cada vez mais
válido, até porque, como aparelhos eletrônicos como celulares
passaram a se tornar ‘amigos íntimos’ das pessoas e devido à
correria do dia a dia, o livro em versão digital é mais dinâmico e
pode conquistar um número de leitores maior para o escritor.
Resumindo: considero o formato e-book super-válido, apoio e
pretendo apoiar ainda mais, mas tenho muito apreço ainda pelo livro
impresso; o mais-que-fodástico Ziraldo sempre dizia que a
leitura tem algo de sexual – é preciso ficar íntimo, tocar,
folhear, sentir – e essa visão dele para o formato impresso
permanece comigo; sou um colecionador/leitor voraz de livros
impressos, mas também não dispenso obras em pdf, etc,
por mais louco que seja nosso tempo, há pelo menos uma horinha pra
cada leitura (falei que ia resumir e não resumi nada rs).
FMZ:
Voltando um pouco no tempo: como a poesia entrou na sua vida?
Carlos
Brunno: A culpa foi das estrelas da constelação pública
escolar rs. Sinceramente, apesar de ser leitor voraz desde
pequeno, meus interesses iniciais eram desenhos, pinturas. Já tinha
escrito algo no ensino fundamental, mas nada marcante, nada que eu me
lembre e/ou valorize; até curtia ler um ‘poeminha’ ou outro, mas
preferia livros de contos, de aventura, de mitologia, de ficção
científica e gibis, principalmente gibis (era viciado em HQs;
hoje pego anestesias líricas mais pesadas sem largar os vícios
anteriores rs). Só no primeiro ano do ensino médio, no
Colégio Estadual Theodorico Fonseca, em Valença/RJ, lá
pelos anos 1994, a professora de Português Ieda, através de
suas aulas (que incluíam suas leituras entusiasmadas para poemas
clássicos como os sonetos de Camões, as quais eu adolescente
ficava tentando descobrir que p... de significado místico e
emocional tinha naquilo que fazia minha professora suspirar e se
sensibilizar tanto), conseguiu despertar meu interesse pela poesia.
Ela me incentivou a escrever; até me inscrevi com o poema “Não
cantamos mais rock’n roll” no Concurso Intercolegial daquele
ano (atenção, governantes de Valença, precisamos resgatar a
tradição do Concurso Intercolegial de Artes no município;
muito artista fodástico começou num evento desses!). O poema era
todo rimadinho - tem uma versão dele em meu quarto livro “O
último adeus (ou o primeiro pra sempre)”, de 2004 -, com as
figuras de linguagem que a professora Ieda me ensinara (bastante
anáfora, uma ou outra metáfora), tinha a mensagem meio
desesperançada de que a geração adolescente se afogava em bebidas
e gritos calados; no dia da apresentação, fui declamar de macacão
rasgado, ‘um nerd querendo causar’ rs, e, bem, não
classifiquei pra final, mas dei meu recado. Porém aquele Concurso
Intercolegial marcou meu aprofundamento na poesia, pois um colega
meu, o André Diniz, tinha escrito um poema muito mais
fodástico que o meu e também não classificou – ficou em segundo
um poema meia boca de um playboy com sobrenome conhecido na cidade
(cidade pequena é assim, né?) em homenagem aos esportistas Ayrton
Senna e Dener, que haviam falecido há pouco; fiquei p...
da vida pelo poema do André não ter nem ido pra final,
banquei o anjo vingador e disse pra mim mesmo: vou estudar poesia pra
que a minha arte fique tão foda que eles vão ter que me engolir em
concursos. Estudei por minha conta poesia da Grécia Antiga aos
estilos mais contemporâneos, vendo o lado bom e ruim de cada estilo,
mergulhei num relacionamento duradouro com a poesia (engraçado que
comecei a me aprofundar por raiva e teimosia e, aos poucos, fui me
apaixonando). Um tempo depois, aproximadamente um ano depois, ganhei
Menção Honrosa num Concurso Nacional de Poesias da Biblioteca
Euclides da Cunha, no Rio de Janeiro/RJ (a professora de
Português Selma quem me indicou e me estimulou a concorrer).
O tema era “Miséria e Fome: qual é a solução?” e concorri e
fui premiado com o poema “Intervalo de Refeição”. Daí,
sigo esse caminho louco e lírico e continuo, apesar dos momentos
tortuosos, sigo em frente.
FMZ:
Você é professor, e toca projetos muito legais com seus alunos,
alguns premiados, inclusive. No mundo de hoje, como fazer pra
despertar o interesse da garotada pra poesia, literatura, enfim?
Carlos
Brunno: A resposta desta pergunta está indiretamente (ou
diretamente?) ligada à anterior: o que faço é estimular a leitura,
mostrar-me leitor também, assim como as minhas professoras de
Português fizeram comigo. É mostrar que no texto não há só um
punhado de palavras colocadas umas com as outras; há sentimento,
lirismo, há muita arte ali e precisamos entrar naquele mundo
estranho, torná-lo nosso, ler o outro até o outro ser parte de nós,
sermos nós e o outro também, É cada vez mais difícil, no mundo
atual, voltado para a falsa interação – a interação ensimesmada
diante de uma tela de computador ou tablet ou celular
convivendo com egos distanciados, todos socializando seus umbigos -,
despertar esse interesse (um poeta disse uma vez que não há mais
paredes com ouvidos, e sim ‘ouvidos com paredes’; o lance é o
professor teimar, não deixar de lado o dever de mostrar a
importância da leitura, estimular e mostrar o poder do leitor
realmente interativo-inteiro (aquele que não apenas lê, mas
questiona e faz releituras das obras que lê), lembrar do uso de
outras ferramentas artísticas (mostrar grandes adaptações
cinematográficas de obras literárias, apresentar/carregar livros
sempre consigo que demonstrem de forma ainda mais concreta os lados
mais fascinantes da leitura e releitura). Outro ponto é apresentar
pro aluno-escritor sempre o porquê da escrita, a marca autoral, o
eternizar-se (quando se constrói uma obra de arte sua você marca
sua existência no tempo, se imortaliza) e para quem ele escreve
(elogiar, acompanhar com críticas construtivas a trajetória de
escrita do aluno, ver seus avanços e, se possível, estimulá-lo a
sempre mostrar sua arte, seja enviando seus escritos a concursos
literários que estimulem novos autores, seja formando um Clube do
Livro escolar, seja organizando saraus escolares e na comunidade
[observação: todos os exemplos que passo não são meramente
ilustrativos – na escola onde leciono, organizamos saraus, temos o
Clube do Livro, grupo teatral escolar, etc]).
FMZ:
E o Sarau Solidões Coletivas, como surgiu a ideia de fazer?
Carlos
Brunno: Bem, digamos que essa ideia estava em gestação há
quase 20 anos rs Desde que lancei meu primeiro livro Fim do
fim do mundo”, no (agora extinto) Casarão da Artes de
Valença/RJ, em junho de 1997, por estímulo da Secretária Municipal
de Cultura da época, a mais-que-fodástica Ana Vaz, a minha
poesia ficou associada com outras manifestações artísticas – no
caso daquele lançamento, a Secretária me apresentou o Grupo
Teatral Arte-Ofício, dirigido pelo Allabah (não sei se o
nome dele é escrito assim, me desculpe) e pelo Carlos Henrique
Cassiano e eles interpretaram uma série de poemas de meu
primeiro livro num espaço privilegiado por quadros e esculturas de
artistas plásticos da região. Ali, percebi que a união de diversas
manifestações artísticas no mesmo evento gerava resultados líricos
fodásticos. Nos lançamentos seguintes de livros, passei a convidar
músicos, bandas, o próprio Arte-Ofício (sempre, devo muito
a eles pela colaboração lírica), artistas plásticos. No
lançamento do meu quinto livro “Eu e Outras províncias” de
2008, a poetamiga e jornalista Katia Berkowicz me falou
uma coisa que ficou na minha cabeça por muito tempo, ela disse que
eu não podia ficar muito tempo sem lançar livros, pois a cidade
precisava daquele movimento artístico, que o pessoal ficava
aguardando o novo livro e, consequentemente, o novo evento. Desde
1997, já rodava por diversas cidades com meus livros, mas
intensifiquei esses passeios líricos, e passei a participar ainda
mais de mais eventos na minha cidade, tentando formar grupos, mas
ainda de forma muito esporádica, até que, em 2011, a convite do
artistativistamigo Giovanni Nogueira, participei com
alguns artistamigos do evento “Arte Valença” com
meu livro “Diários de Solidão” (2010) e realizamos um
sarau que batizei de “Diários de Solidões Coletivas”, em
homenagem ao nome do meu sexto livro. O nome ‘aconteceu’ naquele
momento, mas, como houve apenas aquela apresentação e uma outra em
Rio das Flores/RJ, o grupo ficou meio que adormecido. Retomamos o
nome e o grupo em um evento no início de janeiro de 2012, em
Cambota, região rural de Valença/RJ, numa espécie de preparação
pra nossa apresentação no Narcose Rock Clube #2 – Edição
Especial Praia do Rock 10 anos, no Bar, Restaurante e Pizzaria
do Portuga, na Praia da Ponta do Francês, em Itaipuaçu,
Maricá/RJ, em 20 de janeiro de 2012, evento para o qual fomos
convidados por você, “tio” Rafael Almeida (ou seja, você
é um dos padrinhos/estimuladores do sarau). Mas, mesmo assim, após
as duas apresentações, a ideia adormeceu mais uma vez, pra
ressuscitar no dia 21 de abril de 2012, por estímulo do retorno do
Jornal Valença em Questão (a equipe do jornal queria uma
estratégia diferente para o lançamento de cada edição, então nos
convidou pra fazermos o sarau e nós topamos). A partir daí, o Sarau
Solidões Coletivas se consolidou (tanto que sempre comemoramos o
seu aniversário no dia 21 de abril, apesar dos eventos anteriores) e
resiste até hoje, mesmo que se equilibrando louca e liricamente nos
altos e baixos dos tempos.
FMZ:
O evento já tem um bom tempo de atividades. E, imagino, que assim
como no meio musical independente, seja bem difícil de manter um
projeto assim rolando, não?
Carlos
Brunno: E bota difícil nisso rs. Por ser uma proposta de
arte coletiva e independente, o Sarau Solidões Coletivas
resiste mais por teimosia e força de vontade dos envolvidos; tem
momentos de intensa euforia, tem suas fases apáticas que parece que
vai estagnar, às vezes tá todo mundo bem, outras vezes, surgem
sementes de desunião, ora somos benquistos, ora boicotados, algumas
vezes ignorados ou rejeitados, noutras tantas estimulados a continuar
ou a retornar; como diz o mestre-poetamigo Gilson Gabriel, “o
sarau tá sempre ressuscitando”. Somos um movimento de
contracultura, que rima com loucura, doçura ou tortura dependendo do
momento, temos nossos altos e baixos, mas jamais finalizados,
marchamos liricamente gloriosos mesmo nas derrotas rs, mas há
de se destacar: o sarau traz aquela sensação consoladora de
resistência vitoriosa, mesmo nos dias mais tenebrosos, afinal, é um
projeto coletivo contracultural que flerta com o underground e
perdura há anos sem rabo preso com políticos, sobrevive
essencialmente pelo desejo de mostrar arte coletiva e livre das
amarras tradicionais que alguns membros da sociedade de cidades
pequenas insistem em manter.
FMZ:
Tenho feito essa pra todos os artistas com quem converso... Sobre o
momento político pelo qual nosso país passa: onde a classe
artística fica no meio disso tudo? E mais, como tem visto a galera,
músicos, poetas e por aí vai, com relação a tudo que está
acontecendo? Há, no seu entender (ou deve haver), posicionamento?
Enfim... suas opiniões, por favor..rsrs!
Carlos
Brunno: Cara, como artista, sempre fui meio ‘apolítico com
tendências de esquerda’, por mais paradoxal que isso seja, mais
propenso à anarquia, por minhas raízes líricas underground,
mas atualmente vivemos uma espécie de ‘ditadura legal
ultradireitista’ e, como dizia Chico Buarque, o artista deve
estar onde o povo está, e os direitos e interesses populares estão
mais à esquerda, por mais que tentem manipular para o sentido
contrário. Digo que a classe artística precisa se posicionar mais à
esquerda; apoiar essa nova ordem ultradireitista brasileira seria
como praticar uma antiarte. Vejo nos círculos sociais e virtuais com
os quais interajo, os artistamigos muito divididos e lembro e repito:
considero que devemos nos posicionar mais à esquerda devido ao
contexto, mas opondo-se às posições radicais, ou seja,
independente de que direcionamento político você tome, que seja sem
ultras e sem Ustras, por favor!
FMZ:
Planos para o futuro: tem livro novo a caminho, o sarau continua
rolando, o que vem pela frente?
Carlos
Brunno: Tenho sempre milhões de livros e ideias a caminho rs,
mas, como eu disse anteriormente, primeiro preciso divulgar mais “O
Nada Temperado Com Orégano” pra depois pensar nos próximos
(mas garanto que tenho o esboço de, pelo menos, uns 4 livros novos,
mas sem previsão alguma pra serem lançados). O Sarau Solidões
Coletivas continua – em março, realizamos nosso eterno
‘retorno’ em um evento próprio, estimulado pelo convite da Rose
Almeida, do Restaurante Variedade & Sabor, e ainda
participamos do I Encontro Holístico de Valença/RJ no Espaço
Ganesha -; agora planejamos onde e como faremos o evento de
aniversário oficial do Sarau (21 de abril) e seguiremos assim, com
eventos mais constantes, menos esporádicos.
FMZ:
Bom, é isso. Muitíssimo obrigado pelo papo! Recado final?
Carlos
Brunno: Recado final de poeta é sempre um poema, rs, e, como
nesse ano comemoro 20 anos do meu primeiro livro “Fim do fim do
Mundo”, deixo um poema que faz parte desta minha primeira obra
poética:
Quando
Quando
criaste espinhos
Eu
criei uma rosa
Quando
criaste o desvio
Eu
criei minha casa
Quando
criaste a distância
Eu
criei o atalho
Quando
criaste a dúvida
Eu
criei minha paz
E
quando construíres o fim
Eu
já terei construído o meu recomeço.
(poema
do livro “Fim do fim do mundo” [1997], de Carlos Brunno Silva
Barbosa)
foto: Latitude Zero Prod.