segunda-feira, 25 de março de 2013

Rock na Garagem: Sete Anos de Resistência



A ideia aqui não é tratar do cenário underground de São Gonçalo, município da Região Metropolitana Fluminense onde é realizado o Rock na Garagem, mas assim como no artigo sobre o Metallica Pub (espaço que abriga o evento) publicado aqui no final do ano passado, fica difícil contar a história de nosso Rock na Garagem sem resvalar e/ou emitir opinião a respeito dessa ou daquela fase do under por essas bandas. De qualquer forma, caro leitor, vou me esforçar ao máximo para não perder o foco. O que vem a seguir diz respeito apenas ao Rock na Garagem. Que, de alguma forma, traduz a visão deste que vos escreve não só do underground ou da música independente, mas do que o mesmo entende ser o papel de qualquer cidadão que por ventura tenha contato com arte, música, cultura.


Vale salientar que desde sua primeira edição o Rock na Garagem nunca saiu do Metallica Pub. Mesmo com algumas interrupções, pequenos períodos sem edições realizadas e fases muito difíceis do cenário independente local, o evento manteve a proposta inicial de oferecer apresentações de bandas independentes, veteranas e iniciantes, sempre com entrada franca e sem distinção, nem nenhum tipo de restrição no que diz respeito a estilo, vertente musical e/ou ideológica. Afinal de contas, a ideia era criar um espaço livre para toda e qualquer manifestação artística. Obviamente o 'prato principal' sempre foram os shows. Porém, ao longo dos sete anos de vida de nosso Rock na Garagem, outras vertentes artísticas tiveram voz, como por exemplo as diversas mostras de fanzines, lançamento de livro e outras atrações oferecidas ao longo das edições do evento.



Voltando um pouco no tempo, mais precisamente para o ano de 2006. Como alguns de vocês já devem saber, em março desse ano acontecia a primeira edição do Rock na Garagem. Este que vos escreve e o compositor Xarles Xavier cruzavam o município de São Gonçalo com o que seria o equipamento usado pelas bandas no show num carrinho de mão. Noite memorável. Ao menos dois shows ficaram na memória: o das meninas da banda João do Caminhão e da carioca La Puta Madre. A rua José do Patrocínio, onde fica o Metallica Pub, estava cheia. Lá dentro, calor e pogo. Ou seja, noite incrível! Mesmo a volta pra casa, com carrinho de mão (e meia dúzia de cervejas nas ideias) e tudo, foi divertida! Se bem me lembro essa foi a única edição que fizemos Xarles e Eu. A partir daí, este que vos escreve assumiria a produção do evento, sempre contando com a colaboração da direção da casa, claro.

Nessa mesma época, outras edições reuniram grande quantidade de público. E, claro, ficaram na memória. Não tenho a pretensão de vencer as barreiras de minha memória e citar exatamente que banda participou de qual edição (tem tudo documentado no fanzine que lançamos em comemoração aos seis anos do evento), tudo bem? Porém, ainda nessa primeira fase do evento não me saem da cabeça os shows de Indigentes, Espaçonave, SIC, T.A, Toár, Matando Cachorro à Grito... Enfim, seja por reunirem um grande público, ou por apresentações muito legais, esses nomes de alguma forma marcaram a primeira fase do evento. Até o momento, o Rock na Garagem era realizado nas noites de sexta-feira, sempre com duas datas por edição. Mais adiante, passaríamos para às tardes de sábado. O Rock na Garagem entrava em uma nova fase.


Esta talvez tenha sido a melhor época do Rock na Garagem. Na comemoração de um ano do evento, com direito a churrasco e mais uma vez rua José do Patrocínio abarrotada de gente, novamente a La Puta Madre e outra banda formada por garotas, a She Screams!, seriam destaques! Nessa mesma época, Kumedôdikualheio, Petit Gâteau, Comando Delta, Repressão Social e outras proporcionaram momentos importantes, tidos até hoje com as melhores edições do evento já realizadas. Isso devia ser em meados de 2007, ou comecinho de 2008... O grande lance é que à essa altura do campeonato o cenário local (olha ele aí...) não estava em sua melhor forma, por assim dizer. Seja por conta de uma fase ruim (que acabaria durando mais do que o esperado) ou por uma mudança de pensamento não apenas do público, mas da galera das novas bandas... Enfim, tanto o Rock na Garagem quanto o underground da Região entravam numa fase dificílima.



Não estou me referindo apenas a falta de público nos shows. Muito dessa escassez se devia à grande quantidade de eventos do tipo 'mega', 'super', 'ultra'. Eventos de grande porte são importantes para qualquer cenário. Mas quando se tem toda semana as mesmas trinta, quarenta, cinquenta bandas fazendo os mesmo shows, nos mesmos lugares, é de se imaginar que num determinado momento as pessoas se cansem (tanto público quanto bandas). O tal do 'pague pra tocar' também contribuiria para o citado esvaziamento, porém, não dá pra apontar como único culpado. As novas gerações não pareciam muito afim de interagir, participar. As redes sociais davam o tom de um cenário musicalmente empobrecido e de uma geração vazia, nula, apática. De qualquer forma, o Rock na Garagem não parou. Mudanças no número de atrações, inúmeras trocas de formato e horário. Fizemos o que foi possível.


Também por essa época, um dos episódios mais tristes destes sete anos de Rock na Garagem marcou negativamente a história do evento. Eis que um idiota (não consegui encontrar termo mais adequado) acha por bem fazer uso do nome do evento para, pasmem, um evento no mesmo Metallica Pub! Não satisfeito, ainda teve a cara de pau de recolher 'contribuições' das bandas para viabilizar a realização do mesmo. Tanto eu como a direção da casa, só tomamos conhecimento do ocorrido no final de semana do tal 'rock na garagem'. O que acontece é o seguinte: Não havia como uma pessoa estar minimamente envolvida com o meio underground de Niterói e São Gonçalo sem ter pelo menos ouvido falar de um tal Rock na Garagem, realizado num tal de Metallica Pub.


As redes sociais tornavam qualquer informação acessível. O nome do nosso Rock na Garagem já circulava através de bandas de diversas cidades do interior do Rio de Janeiro que faziam contato e participavam do evento, de sites especializados e fanzines espalhados pelo Brasil com os quais sempre tivemos contatos. Logo, impossível não associar a mim, ao Feira Moderna Zine ou outro projeto por mim criado um 'rock na garagem' acontecendo no Metallica Pub, certo? O pior de tudo foi a forma como chegou até mim: um integrante de banda, escalado para esse falso 'rock na garagem' me interpela em um show, em Niterói, com a seguinte cobrança: “Ó, tô pagando pra tocar nessa sua parada, hein? Quero só ver qual vai ser!” A sensação é horrível.


Resumo da ópera? Fui até o tal 'rock na garagem' e procurei o (i)responsável pela cagada. Encontrei um sujeito completamente embriagado que, na falta de argumento, se pôs a tentar 'ganhar no grito'. Turma do deixa disso e blá blá blá... Talvez seja um dos poucos arrependimentos que tenha com relação ao Rock na Garagem: não ter levado a coisa adiante. Não teria muito trabalho em provar a qualquer juiz que Rock na Garagem, no Metallica Pub é um projeto meu. Sempre foi promovido por mim. E que aquele 'evento', da forma como foi feito, e (óbvio) sem o meu consentimento, era altamente prejudicial a mim e a todo o meu trabalho no meio independente. No final das contas? O sujeito e sua banda simplesmente desapareceram do meio underground como tantos e tantos aventureiros que por aqui passam. Nosso Rock na Garagem continua até hoje...



Passados os tempos difíceis, o Rock na Garagem entrou numa de suas melhores fases. Edições devidamente acompanhadas e churrasco, cerveja e bandas de camaradas trouxeram de volta o ânimo necessário para continuar, resistir. Confesso que num dado momento passou pela cabeça a ideia de deixar quieto, dar um tempo, enfim. Bandas como Kopos Sujus, Macacos me Mordam, Michael J.Fox, Ricto Máfia (hoje Ricto) e lendas vivas como a Anarchy Solid Sound foram responsáveis por mais momentos importantes, memoráveis. No fundo a ideia sempre foi criar um espaço agradável, livre e principalmente cercado de boas vibrações. A arte proporciona isso. E a sensação de, ao mesmo tempo, estar promovendo cultura, entretenimento de qualidade e proporcionando um final de semana agradável a outras pessoas, compensa tudo. Tudo.


O que algumas pessoas e bandas não entenderam é que o Rock na Garagem é um evento à moda antiga. Explico: nos idos dos anos noventa o underground carioca, e principalmente aqui na Região, gozava de algumas características que com o passar dos anos foram se perdendo. Se por um lado tudo era meio que precário, amador e carente de estrutura, por outro sobrava cooperação. Independente de determinada banda estar ali apenas para tocar por puro prazer, para protestar através das letras de suas canções ou encarando tudo aquilo como uma etapa em busca do tal do sucesso. Havia o simples desejo de fazer as coisas acontecerem, simples assim. Com o passar do tempo, a cena mudou. A busca frenética (e muitas vezes burra) pelo sucesso dos anos oitenta voltava junto com a popularização de redes sociais e demais mecanismos de compartilhamento de música. Num piscar de olhos, todo mundo era músico profissional, tinha e exigia os melhores equipamentos, não se rebaixava a divulgar shows pois o público deveria vir até ele e blá blá blá... Não tenho nada com os princípios, muito menos com os sonhos de ninguém, mas... Quer que seu show seja viável para determinada casa, ou produtor? Trabalhe pra isso...


Quando começamos, Xarles e Eu, com o projeto do Rock na Garagem o Metallica Pub tinha pouco em, termos de estrutura, para oferecer. Não consigo sequer contar as vezes que transportei amplis, pedestais e o que mais tivesse de carregar de ônibus. Madrugadas colando cartazes em postes e tapumes, caminhando de Alcântara até Neves (quem é daqui da área tem noção do que é isso). Aliás, nunca ouvi uma reclamação por parte do Xarles. Nunca me queixei também. Pelo contrário, sentia um prazer imenso em poder colaborar com o quadro cultural do lugar onde nasci e no qual cresci. Vale lembrar que estamos falando de um evento sem fins lucrativos. Nunca ganhei nada com o Rock na Garagem. Com o passar dos anos, o próprio Metallica Pub cresceu, melhorou sua estrutura. Hoje, é possível trabalhar de forma mais tranquila. Continuo não lucrando absolutamente nada. Ok, o pessoal da 'produção cultural' e a 'turma da cultura' podem dar cambalhotas de ódio, mas é assim que a coisa é. É claro que não me incomodaria nem um pouco em ser remunerado por esse trabalho, mas não abriria mão da liberdade que a casa me dá e que a independência, exclusivamente num caso como o do Rock na Garagem, me garante.



Mudando de assunto (tá muito confuso?): As últimas edições do Rock na Garagem, realizadas de 2011 pra cá foram extremamente gratificantes. Apesar de decepcionado com uma ou outra data, quando esperávamos grandes públicos e não tivemos, fico feliz de termos, através de nosso evento, trazido nomes como os novatos (e promissores) Gambrinus 74 e Filios do Licho, a clássica Speaknine e a lendária, clássica e tudo o mais Protesto Suburbano para tocar em São Gonçalo. Em absolutamente todas essas ocasiões, o pouco público foi compensado pela presença de pessoas realmente interessadas no meio underground. Não é de graça, que só recebemos elogios das bandas citadas.


...A ideia era publicar algo mais leve, contando uma ou outra situação engraçada ou curiosa ocorrida em alguma edição do evento. Mas confesso que falar de um evento que há sete anos resiste num cenário inconstante como o daqui, sem patrocínios e com entrada franca acarreta tanta coisa que fica difícil não lembrar desse ou daquele aspecto. De qualquer forma, um dia publicaremos algo nesse sentido. Vai por mim, história maluca é o que não falta. Desde banda perdida por São Gonçalo, porres fenomenais, Punks sendo abduzidos, até... Essa vale contar: Sem citar nomes, claro. Certa vez uma banda alegou que só tocaria se a casa dispusesse de dois microfones (na época, havia apenas um). Uma galera sai voando de carro, cruza a cidade, toma dura da PM e volta com o tal microfone! A banda? Ao serem informados de que o tal microfone havia chegado, alegam não poder se apresentar pois estão sem seu vocalista. Detalhe: o sujeito foi visto correndo atrás de um ônibus após perceber que sua exigência havia sido cumprida... Vai entender, né? Enfim, coisas que acontecem.


Voltando: Ainda faltam alguns ajustes. A cada edição que passa, vamos revendo e pensando no que é possível se fazer para melhorar. Ainda queremos uma interação maior com o pessoal da poesia, das artes plásticas, enfim, de utras manifestações artísticas. Estamos falando de cultura, arte, logo, todos são muito bem vindos! Queremos maior participação da galera da literatura independente também, como fizemos na edição de outubro passado, promovendo o lançamento do primeiro livro de nosso colaborador e parceiro Carlos A. Ainda há muita coisa a ser feita.


Não vou me estender colocando dificuldades, problemas, questões pessoais nem nada disso. Gostaria sim de agradecer, em nome do Rock na Garagem e de todos os envolvidos, ao Metallica Pub, Moto Rock Club, apoiadores, bandas e parceiros pela oportunidade de poder interferir, participar ativamente do cenário cultural de minha Região. Atuar na linha de frente da única coisa que ainda acredito e entendo como ferramenta de transformações sociais reais: Cultura. Não a cultura dos editais, dos diplomas, da ganância, do jogo político ou dos mega patrocínios. Mas a cultura feita no braço, na raça, como opção de vida, de causa, de luta. Obrigado a todos vocês.


Sábado que vem temos a chance de juntos, promovermos uma das edições mais bacanas desses sete anos do Rock na Garagem. Desde já agradeço a Carlos Spihler, Xarles Xavier, DJ Wesley Snayps e à galera de Petrópolis, Neutrônica e Roots of Hate. Tem mostra de fanzines, stand de material independente e cerveja barata, ok? É só aparecer.

Rafael A.


Rock na Garagem – Especial 7 Anos:


Serviço:

30 de março :: sábado :: 19h
Rock na Garagem – 7 Anos
Shows: Carlos SpihlerNeutrônicaRoots of HateXarles Xavier + discotecagem: DJ Wesley Snayps & Rafael A. + mostra de fanzines + stand de material alternativos
Local: Metallica Pub
Edn.: Rua José do Patrocínio, 42, Porto Novo, São Gonçalo/RJ
ENTRADA FRANCA / infos 

fotos: Rafael A. / Latitude Zero Prod.

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